12 novembro, 2012

OS ROYALTIES E AS PATENTES INCONSTITUCIONALIDADES DA LEI APROVADA NO CONGRESSO

Está por se sacramentar, salvo melhor juízo presidencial, ainda sem controle judicial, que fatalmente se fará impreterível pelos contornos que se apresentam uma escatológica profusão de impropérios inconstitucionais com sérias consequências, alcançando, inclusive, repercussão na clausula pétrea do equilíbrio do pacto federativo.
A democracia mal compreendida ou mal utilizada pode se revelar um permissivo para abusos e violações capazes de comprometer, por paradoxo, bases sólidas de sustentação da própria democracia, consectários principiológicos de nossa República Federativa e atentar contra as mais diversas lógicas de exegeses constitucionais, sejam elas semânticas, históricas, sistemáticas ou teleológicas.
A democracia pautada na vontade da maioria nem sempre respeita o que é justo, o que é de direito. Não avoco argumentos toscos e pueris como o de que toda maioria é burra, mas avoco a necessidade de se respeitar os direitos e argumentos das minorias, precipuamente quando fundamentados na legitimidade de seus direitos, quando o ordenamento lhes confere supedâneo para que as maiorias não restem desrespeitadas apenas pelo fato de representarem faticamente uma maioria. Quando em uma democracia se permite que minorias sejam apagadas, silenciadas por suas vozes e até mesmo aviltadas por maiorias, não se está diante de uma verdadeira democracia, mas diante da primitiva lógica de que vença o mais forte até a morte.
Quando percebemos que determinadas maiorias criadas por interesses políticos possuem o poder de rasgar o texto constitucional, alcançando suas bases principiológicas, neste momento, a democracia se desconfigurou e provavelmente está sendo usada para perpetrar interesses que uma República Federativa constitucionalizada haveria de veementemente repelir, em regra interesses egoísticos contrários à lógica do razoável.
Este artigo de opinião pretende percorrer os tortuosos caminhos dos “royalties do petróleo”, o verdadeiro ouro-negro deste país, que parece estar provocando ambições com força para evadir-se das cognitivas lógicas esperadas. Através da Emenda Ibsen e da posterior Emenda Simon, pretende uma maioria política subverter lógicas jurídicas inafastáveis abstraindo consequências que não se poderiam defenestrar.
Entre janeiro e dezembro de 2009 a União recebeu quase 7 milhões de reais e os estados produtores em torno de 6 bilhões à título de royalties e participações especiais advindos da exploração do petróleo. Só o Rio de Janeiro percebeu aproximadamente 5 bilhões de reais, por ser de longe o maior produtor nacional.
As propostas legislativas já votadas e aprovadas pelas duas Casas do Congresso no aguardo da sanção ou veto presidencial pretendem alterar drasticamente a fórmula de distribuição das participações devidas aos estados-membros e municípios em razão de serem estados servientes a exploração marítima de petróleo. Pretendem as Emendas mencionadas suprimir o pagamento de royalties e participações especiais dos entes produtores e confrontantes atingindo contratos futuros e teratologicamente contratos já firmados e em execução sob a vigência da Lei 9478/97. Proposta legislativa aprovada que engloba os campos que venham a ser descobertos de petróleo como, inacreditavelmente, os já licitados, em uma estimada perda anual de 7 bilhões aos cofres do Rio de Janeiro, receita esperada que se subtraída é capaz de quebrar o estado ou minimamente retirar-lhe a autonomia financeira conquistada.
A CRFB utiliza os termos “participação no resultado” ou “compensação financeira”, já a Lei do Petróleo (L. 9478/97) utiliza-se da expressão “participações governamentais”, que inclui entre outros termos que não interessam a presente exposição, os royalties e a participação especial, objetos a serem trabalhados. Participação especial, vale dizer, que deve ser paga no caso em que o lote licitado apresente um volume de produção de maior rentabilidade, nos termos do art. 47.
É histórico no Brasil, desde os idos de 1953, data que se iniciou a indústria petrolífera no país. A lei 2004/53, que criou a Petrobras e dispôs sobre a Política Nacional de Petróleo já previa a obrigação de distribuir compensações aos estados e municípios que sofrem com o ônus de terem que manter em suas bases territoriais toda uma infraestrutura capaz de suportar a demanda e os prejuízos da exploração.
Com a lei 7438/85, clareou-se a legislação anterior, prevendo que o pagamento de royalties também seria devido em razão da exploração de óleo e gás natural extraídos de plataforma continental. Restava inconteste ainda, que o pagamento de royalties não teria como fato gerador a propriedade da riqueza mineral extraída, que é da União Federal, mas sim o ônus suportado pelos entes que tinham seus limites territoriais explorados. A legislação ordinária mencionada previu que 1% dos valores extraídos seria destinado a um Fundo Especial a ser distribuído entre todos os estados e municípios, porcentagem que em nada se relaciona aos royalties devidos aos estados e municípios produtores.
Em 1988, o direito de compensação financeira dos estados e municípios afetados com a exploração destes minerais ganhou “status” constitucional com a previsão do constituinte originário constante do art. 21, Par. 1º CRFB. Mencionado artigo que foi regulamentado pela L. 7990/89, que novamente reafirmou o dever de compensar financeiramente os estados e municípios produtores, mantendo o Fundo Especial da legislação anterior, apenas reduzindo o valor de 1% para 0,5%. Com a Lei do Petróleo (L. 9478/97), além de novamente contemplados os royalties como forma de compensação aumentou de 5% para 10% o valor desta compensação aos estados produtores. Como se percebe sempre se teve como primária prioridade a compensação aos entes afetados com a exploração e secundariamente a distribuição de um “sobejar” aos demais entes em nada afetados.
Volta a reafirmar, por se tratar de um marco desta temática que, historicamente, desde 1953 ordinariamente, e constitucionalmente a partir da Constituição a partir da Carta de 1988, sempre se tutelou através de pagamentos de royalties os estados e municípios que tinham suas bases territoriais exploradas pelos riscos e ônus próprios deste tipo de atividade exploratória, chegando inclusive, a legislação de 1953, a utilizar-se do termo indenização no lugar de compensação, tamanho o ônus suportado. Este valor compensatório sempre se mostrou independente e de primaria fundamentalidade em relação ao valor distribuído indistintamente aos demais estados-membros, que em momento algum sofrem com os impactos exploratórios, que reste claro e assentado.
O art. 21, par. 1º da CRFB é o paradigma constitucional para toda legislação ordinária atinente ao tema. Legislação ordinária que se afaste de seus contornos deve ser entendida como nula “ex-tunc” e ter declarada sua inconstitucionalidade. Diante deste imbróglio hermenêutico, há que se perceber a real interpretação do dispositivo mãe, o art. 21, par.1º da Lei Maior, para que desta feita sejam traçados os limites onde a legislação derivada ordinária poderá flutuar sem que extrapole os limites maternos.
Para uma perfeita interpretação do artigo constitucional não vamos nos satisfazer com a utilização de apenas um dos métodos interpretativos. A demonstração da inconstitucionalidade da lei aprovada no Congresso será realizada de forma exauriente, a partir de todos os métodos interpretativos que a clássica tradição Romano-Germânica colocou-nos a disposição. Será demonstrado que todos os meios interpretativos levarão a mesma unidade interpretativa, de que o art. 20, par.1º, da CRFB procurou a tutela dos estados e municípios explorados.
Primeiramente, segundo a interpretação gramatical possível ao texto normativo, a que confere os contornos das normas que desta derivarão fala explicitamente em compensação financeira devida em razão da exploração. A lógica que permite extrair é a de que nada haveria a compensar quanto aos entes que não sofrem os ônus da exploração. O vocábulo “compensação” é excludente quanto aos estes não “avariados” e dirige-se indelevelmente por mera semântica aos entes que suportam a criação e manutenção de todo um aparelhamento infraestrutural de demandas, que suporte uma explosão demográfica consequencial e que tenha capacidade técnica e financeira para suportar os passivos ambientais que esta espécie de exploração impeli. Lembro, que toda e qualquer palavra em um texto legal deve ter um sentido de existir, e a palavra “compensação” não deixa qualquer dúvida minimamente aferível em sua ligação umbilical para com os legitimados aos recebimentos dos royalties e participação especiais, como um verdadeiro direito subjetivo destes. Evadir-se deste núcleo fundamental do artigo constitucional é inelutavelmente eivar-se do vício de nulidade. Por isso a Lei Federal deveria detalhar a repartição dos recursos sem distanciar-se do núcleo fundamental do artigo constitucional.
Sob a perspectiva da interpretação histórica, que leva em conta a conjuntura da qual restou produzida a norma, há que se observar ao caso a intenção do legislador constituinte quando dispõe do artigo constitucional sob comento. O artigo a veio chancelar as legislações ordinárias anteriores servindo ao propósito de promover o mandamento infraconstitucional ao “status” mais elevado de nosso ordenamento jurídico, ao “status” de norma constitucional como forma de produzir-lhe maior segurança. Como demonstrado, data de 1953 a compensação aos entes produtores quando se iniciou a regulação do petróleo no Brasil e se criou a Petrobrás, e desta forma caminha até os hodiernos dias em respeito a uma mínima lógica racional, que jamais afastou-se deste balizamento ratificado em 1988 pela CRFB, que chancelou o modelo até então vigente quando poderia alterá-lo se olvidasse a busca de uma outra razão para tutelar, que não a de compensar.
É propriamente na interpretação sistemática que o estrutura criada de pagamento de royalties aos produtores encontra sua principal coordenação. Pois vejam, consabido é que o ICMS. Em regra é pago no estado de origem e representa a maior forma de receita tributária do estado. Pois bem, ao depararmos com a leitura do art. 155, par.2º, X, b da Carta Maior, percebemos que os estados produtores de petróleo não se beneficiam com a tributação de ICMS, que excepcionalmente não é tributado na origem, mas no estado de destino do produto. E qual a “ratio essendi” desta exceção? A de não favorecer os estados produtoras de petróleo, já que estes contam com os royalties e participações especiais nos termos do art. 20, par. 1º como forma de compensação. Esta interpretação já foi inclusive destacada pelo ex-ministro do Supremo Nelson Jobim em um de seus votos quando ainda era ministro da Casa. Não pode o legislador ordinário agora querer subverter a sistemática desta compensação retirando o direito subjetivo aos royalties dos estados produtores, pois assim agindo não apenas contrariará a norma constitucional do art. 20, par.1º, mas desconfigurará o sistema previsto pelo constituinte originário. Em se tratando de uma Lei Federal poder-se-ia cogitar que a União abdicasse de parcela sua em favor dos demais estados-membros, jamais de parcela que não lhe pertence, que pertence aos estados produtores.
Como se não bastassem todo este complexo expositivo a fundamentar a inconstitucionalide do que o Congresso veio a aprovar, resta a análise do critério teleológico de interpretação, onde se busca a finalidade da norma. Por este, e baseando-se em tudo que até o memento já se disse, a finalidade da norma é sem sombra de dúvidas a de compensar os estados e municípios explorados com os royalties e participações especiais devidos aos impactos ambientais e socioeconômicos que se encontra “in re ipsa” nesta atividade. A partilha “pro-rata” e sem distinção jamais foi a finalidade normativa legal ou constitucional do sistema conforme se demonstrou. Não haveria como não compensar os gastos excedentes com segurança pública, transporte, urbanismo, habitação, meio ambiente, enfim, os gastos estruturais necessários para a suportabilidade desta atividade, onerando demasiadamente os estados produtores em proveito de todos, quando só os produtores suportariam o ônus e consequências da exploração.
Passada a fase onde restou sobejamente comprovada a legitimidade dos estados onerados para o recebimento dos royalties como fator compensador dos ônus suportados através de todos os métodos de interpretação disponíveis, passa-se a fundamentar a inconstitucionalidade do que se aprovou no Congresso a partir dos princípios constitucionais regentes de todo nosso ordenamento.
Salta aos olhos a violação ao princípio da isonomia material, que ordena valorar igualmente situações iguais de desigualmente situações desiguais na medida de suas desigualdades. O tratamento linear a situação desiguais acarreta uma discriminação e violadora do princípio. As desigualdades fáticas devem acarretar um tratamento desigual como forma de compor essa desigualdade e desta forma encontrar-se a igualdade material desejada, a partir de um fim constitucionalmente legítimo, respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Poupar-me-ei de repetir todos os argumentos já acostados reveladores manifestos da desigualdade a ser compensada, fazendo lembrar que o sistema preparou-se para o propósito de compensar a partir de qualquer método interpretativo que se busque perpetrar. O tratamento desigual denota-se constitucionalmente legítimo e consentâneo ao princípio da isonomia material para que seja mantido o equilíbrio federativo.
Outra violação que se revela um “inqualificável” jurídico agride sem pena o princípio da segurança jurídica, um dos fundamentos do estado e do direito ao lado do bem estar social. Busca a paz social através da previsibilidade das condutas e estabilidade das relações jurídicas e sociais através do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada em âmbito constitucional. Em âmbito infraconstitucional, no mesmo propósito encontram-se institutos como a prescrição e a decadência, que obedecem a mesma lógica. O texto aprovado prevê o afastamento das receitas decorrentes dos novos contratos e em clara violação ao princípio em comento afasta ainda as receitas dos contratos já firmados e em fase de execução, em absurda frustração das legítimas expectativas do recebimento das receitas que desde a década de 30 recebe. E as obrigações assumidas a partir das receitas que já faziam parte do orçamento dos estados produtores? Com a suspensão dos pagamentos de royalties de inopino construir-se-á estados incapazes de honrar seus contratos tendentes a insolvência. Estados incapazes de cumprirem as normas orçamentárias, a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e o Plano de Restruturação e ajuste Fiscal contido na Lei 9497/97.
Sancionada esta lei pelo Executivo federal o pacto federativo estará seriamente comprometido. A uma porque Lei Federal imporia uma oneração desarrazoada dos entes produtores sem a contrapartida compensatória dos royalties, e o estado produtor ainda manter-se-ia privado do tributo que é sua maior arrecadação, conforme já detalhado, o ICMS, que pela sistemática atual não é recolhido no estado de produtor, de origem, pelo fato de ser este o receptor dos royalties e participações especiais. O desequilíbrio do sistema caso sancionada a lei será manifesto e lastimável. A duas, por outro fator que já se fez ventilar, pelo fato de comprometer seriamente a autonomia financeira do ente federativo alijado dos royalties que organizou-se financeiramente com base nesta substancial receita. Razões de ordem política não podem se sobrepujar as razões de ordem constitucional a ponto de ferir norma, princípios e todo um sistema.
O caso do Rio de Janeiro é ainda de maior gravidade, não só por ser o que mais recebe receitas provenientes dos royalties, não só por ter compromissos maiores que os dos demais estados produtores de infraestrutura como ainda por ter sido escolhido a sede da próxima Copa do Mundo (2014) e das olimpíadas de 2016. Quando foi escolhido como sede contava com os royalties como parte fundamental para manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro para investimentos de grande porte com o apoio de verba federal. Surrupiada esta receita, já não contando com a receita tributária do ICMS o estado do RJ se tornará um contumaz inadimplente sem que responsabilidade alguma lhe possa ser atribuída. Mas não paramos nisto, a União assinou com o estado do Rio de Janeiro um Programa de Restruturação e Ajuste Fiscal de refinanciamento de suas dívidas junto a União no valor de 2 bilhões de reais. Ocorre que a amortização dessa dívida deve ser feita com a cessão de créditos provenientes dos “royalties” e participações especiais que o estado do Rio recebe como receita, sob pena de ter que abdicar de outras receitas advindas de outros impostos em favor da União, que ainda poderá interromper a transferência de outras receitas advindas de transferências constitucionais de renda. Há, portanto um contrato que vincula os royalties do petróleo a dívida com a União Federal, ou seja, a existência de ato jurídico perfeito, uma das formas que a Constituição elegeu para garantia do princípio da segurança jurídica. É lei Federal (União) ferindo ato jurídico perfeito, portanto a segurança jurídica das relações na federação, portanto a cláusula do pacto federativo.
De todo o exposto este artigo procurou demonstrar que razões de ordem política não podem de uma hora para outra subverter todo um sistema que possui a tutela constitucional atingindo seriamente princípios orientadores de toda a Constituição e, por conseguinte de todo ordenamento como são dos princípios da isonomia material, da segurança jurídica, do pacto federativo e do interpretativo princípio da razoabilidade.
Por maioria, os estados em suas representações nas Casas legislativas não podem se unir contra outros poucos no propósito de se auto beneficiarem às custas da destruição da minoria, passando por cima de todos os preceitos de albergue constitucional aqui expostos a ponto de causarem uma verdadeira guerra entre entes da federação, isso não é democracia. O pacto federativo, conforme salientado, é cláusula pétrea e de contornos fundamentais para a manutenção do Estado Democrático de Direito no modelo federativo a que constitucionalmente nos filiamos.

Assim me parece.

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