22 outubro, 2012

AS QUESTÕES JURÍDICAS MAIS PALPITANTES DO JULGAMENTO DO MENSALÃO QUE ESTÃO A SE DEFINIR E QUE PODERÁ ENCAMINHÁ-LO PARA UM RODÍZIO DE PIZZA EM BRASÍLIA COM RELAÇÃO A ALGUNS DOS RÉUS

É tradição do judiciário pátrio tomar por base a pena mínima prevista no Código penal para a dosimetria das penas em processos criminais, é a denominada pena-base. Aplicando-se o sistema ou método trifásico por nós adotado, da fixação da pena mínima (1ª fase), seguir-se-á a fase das agravantes e atenuantes (arts. 61 a 68 CP), se houver (2ª fase), e por último as causas de aumento e diminuição de pena, com critérios presentes no CP restrito a alguns tipos penais (3ª fase).

Ok, mas e o mensalão nessa estória, onde entra a questão de interesse? Propriamente no momento da dosimetria das penas, episódio que revelará a quais interesses se procedeu majoritariamente toda esta inelutável "ginástica intelectual" dos senhores ministros, se atenderão mais as suas convicções jurídicas ou mais aos apelos políticos do poder.

Consigno desde já, que o MPF e o Supremo Tribunal Federal revelaram-se morosos, não me exacerbo em dizer que prevaricaram nos termos do art. 319, CP. Foram irrazoáveis sete anos para se iniciar o tão aguardado julgamento do mensalão, tempo suficiente para praticar impunidades e tornar uma prestação jurisdicional tendente a ineficácia.

Dos sete crimes apontados pelo PGR aos 37 réus na Ação Penal nº 470, quatro estão prescritos desde 2011, caso o Supremo condene os réus a pena mínima prevista em abstrato. O exemplo mais emblemático que se poderá denotar referida prevaricação perceber-se-á no crime de quadrilha, que em abstrato prevê como reprimenda de 1 a 3 anos de reclusão.

E como funciona o cálculo prescricional? Em apertada síntese, até o recebimento da denúncia da PGR pelo Supremo, conta-se a partir da pena máxima em abstrato, em sendo abaixo de 4 anos, a prescrição dar-se-á em 8 anos, o que faria prescrever apenas em 2015, até aí nenhum problema aparente.

A "question iuris" surge a partir da decisão dos senhores ministros, a partir do proferimento de seus votos, pois neste momento levar-se-á em conta a pena aplicada em concreto, que se for a pena mínima ou um pouco além da mínima, no caso de formação de quadrilha, não ultrapassando 2 anos, a prescrição dar-se-á em 4 anos e não mais em 8, quando crimes como a mencionada formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e evasão de divisas estarão prescritos nos termos do art. 109, CP, e o "ius puniendi" do Estado indelevelmente frustrado ao lado de parcela da sociedade com a função judiciária como mais uma função desacreditada de poder perante segundo o olhar social.

Faço lembrar, que caso prescrito esteja, haverá a automática extinção da punibilidade do réu segundo o critério temporal, não sendo considerado condenado e não carregando o réu qualquer antecedente criminal.

Por isso, aos ativistas que torcem contra a sensação de impunidade dos réus nos "crimes de colarinho branco" devem mover suas energias no sentido de iluminar os senhores ministros para aplicação da pena além do mínimo, mais propriamente além dos 2 anos, que não mais prescreveria em 4, mas passaria a prescrever em 8 anos, sendo certo que para condenar além do mínimo necessária será a fundamentação. Critérios não objetivos como a monta financeira envolvida ou mesmo a repercussão do caso, não atendem aos critérios que o Supremo utiliza para majorar a pena. A meu entendimento, agravantes que podem ser consideradas no caso do mensalão são a existência de abuso de poder e a violação de dever inerente ao cargo.

Ressalta-se um ponto salutar para se alcançar penas mais gravosas capazer de superar, ultrapassar os males da prescrição punitiva do estado. Os ministros que absolveram os réus, que nitidamente votaram por razões políticas com o Governo Federal, não participarão da fase de dosimetria das penas, das reprimendas. Este é o entendimento que tem prevalecido em respeito a uma mínima lógica esperada. Desta forma, Lewandowski e Tóffoli, que praticamente absolveram  todos os réus de quase todos os crimes imputados pelo PGR restarão limados desta fase, na lógica de quem absolve não pode apenar.

Passo neste instante para análise do crime de quadrilha em especial, tipificado no art. 288, CP. Minha visão sobre esta temática é cognitivamente bem definida e entendo ser esta a melhor exegese para que o intérprete da norma que tenha o ofício de prestar jurisdição assim proceda. O delito de quadrilha, formal e de perigo, envolve a associação de no mínimo 4 pessoas (contando inimputáveis e pessoas não identificadas) com fim de cometer crimes. Consigno que não se faz necessário que tais delitos arquitetados logrem êxito, venham a se concretizar para que se subsuma a tipificação penal, sendo o crime de quadrilha um crime autônomo. É, portanto, um crime plurissubjetivo de condutas paralelas, que tutela a paz pública em uma associação estável e permanente, uma associação sólida estruturalmente e temporalmente durável. A ausência deste último requisito desclassifica-se o delito para mero concurso de agentes.

Do exposto, não há como desclassificar, a meu ver, as condutas dos mensaleiros que se auxiliavam mutuamente na busca de seus planejados fins criminosos. Alegar a inexistência de uma associação estável e permanente como propugna o quarteto Rosa Maria Weber, Carmen Lúcia o bravo Lewandowski e Dias Toffoli, é, a meu sentir, querer ver chifre em cavalo na crença da existência de unicórnios. Co-autoria de pelo menos 2 anos é algo esdrúxulo, surreal a se alegar, por isso abstenho-me de discorrer.

Quanto a paz pública, esta é abalada quando se busca a modificação das consciências dos representates do povo para que votem não de acordo com os seus representados (o povo), mas de acordo com os interesses do Governo Federal. Não há necessidade de se tratar de um crime de índole violenta, armas por exemplo qualificariam o crime de quadrilha. Por isso a paz pública indubitavelmente restou seriamente abalada.

Restou amplamente comprovado pelo chefe do MPF, que a associação era permanente e iria se manter enquanto o Partido dos Trabalhadores perdurasse no poder, no objetivo de comprar com o dinheiro público a consciência de membros do legislativo para a aprovação dos projetos de interesse do Governo Federal. Da própria denominação "mensalão", já se deduz com certa obviedade, que a finalidade da associação perdurou como perduraria, não fosse denunciado, publicizado, por um dos beneficiários passivos do esquema que veio a se sentir prejudicado nos seus recebimentos. Deixo anotado, que bastaria a associação, ainda que não se conseguisse praticar o crime pretendido, é um crime formal.

Desta feita, abstraindo-se elucubrações de alguns dos senhores ministros movidos por outros interesses que não o de julgar de acordo com a subsunção da norma aos fatos, causar-me-ia espécime qualquer jurisconsulto, positivista kelseniano ou não, que sustentasse uma tese criativa defensiva que discrepasse da existência do crime de quadrilha no caso mensalão.

Por último, trago à baila, o que hoje parece ser a maior dúvida do plenário do Supremo tribunal Federal, o "modus procedendi" da Corte constitucional com relação aos inúmeros empates que a aposentadoria do ministro Cezar Peluso no interregno do julgamento fez acarretar, já que deixou a composição plenária em número par, e claro, não se pode esquecer das criativas interpretação de fatos provados que conseguiram perpetrar alguns ministros.

Duas são as teses de interesses que se digladiam, embora uma terceira me pareça a mais correta. A questão deverá ser suscitada ao final do julgamento, já que até o último voto é possível a alteração de votos já proferidos, como fez Lewandowski gerando mais alguns empates ao absolver os poucos que havia condenado, modificando seu voto e passando a entender pela inocorrência do crime de formação de quadrilha em relação a todos os réus. Deverá ser ao fim suscitada questão de ordem para que o plenário se pronuncie.

A 1ª tese é a tese consentânea com o RISTF, mais propriamente com seu art. 13, IX. O regimento expressa-se no sentido de que o desempate deve-se dar através do voto de qualidade do presidente da Casa, que, portanto, faria prevalecer às razões de seu voto, prevendo o RI a possibilidade de exceções expressas. Para alguns, esta metodologia de desempate revela-se contrária ao Estado Democrático de Direito, apesar de ser a metodologia constante no RI da maior Corte de Justiça do país, uma Corte Constitucional por essência de um Estado Constitucional Democrático de Direito.

A 2ª tese é a tese aplicada para o caso do julgamento de Habeas Corpus pelo Supremo, mais propriamente a tese do "in dubio pro reo", onde absolve-se o réu em caso de dúvida. Acontece, que esta tese, em tese, como disse, é aplicada pelo Supremo apenas para o desempate nos julgamentos de HC, segundo prescreve o art. 146, par, único do RISTF, e não para ações penais originárias, como é a Ação Penal 470.

O fundamento para aplicação do princípio do "in dubio pro reo" encontra-se no art. 615, Par 1º, CPP, e em uma interpretação analógica extensiva, na previsão do RISTF que é específica para o HC.
A tese do "in dubio pro reo", a meu sentir, não é a correta fundamentação que deveria ser ventilada pela defesa ou por Lewandowski e Toffoli, pois a dúvida não é sobre a existência do fato ou autoria, sobre o fato juridicamente relevante, mas sim quanto ao resultado do julgamento. Caso contrário, o réu ganharia gratuitamente um voto a mais pela sua absolvição proferida por uma "entidade divina", o que seria no mínimo exótico. Aqui não se fala em ônus da prova, dúvida, mas em "favor rei".

A melhor fundamentação encontra-se no art, 5º, LVII, CF. Por este artigo, presume-se a inocência do réu até o trânsito em julgado da sentença, que apenas pode ser afastada se houver prova plena do cometimento do delito. A sentença condenatória transitada em julgado é a que modifica do "status" de inocente para culpado, já absolutória deve ser proferida a partir da dúvida ou da certeza da inocência do delito, pouco importado, reafirma a inocência transformando a presunção em sentença absolutória.

Desta forma, com o empate na ação pena originária, a presunção de inocência não transmudou-se na certeza da culpa para condenação, não possuindo a força modificativa para alterar o "status" de inocência do réu para culpado, Portanto, em se optando por prestigiar o princípio da presunção de inocência, manter-se-á o "status" inicial de inocência, tendo em vista não que teria o MPF logrado êxito em seu mister acusatório, em respeito ao art, 5º, LVII da CRFB. Esta é sem dúvida alguma a interpretação jurídica mais técnica segundo a ausência de uma previsão expressa.

Não acredito que prospere a tese do voto de qualidade do presidente do Supremo. Em vencendo a tese mais técnica que expus, ou mesmo a tese enferma por atecnia, mal ajambrada, alardeada pelos patronos de alguns dos réus via imprensa (ambas com o mesmo resultado finalístico), cria-se uma nova presunção, a de que o julgamento do mensalão terminará em algum dos muitos rodízios de pizza de Brasília para alguns dos réus. Que sejam corteses os senhores patronos dos réus e do partido do Governo federal, que não esqueçam dos amigos Lewandowski e Tóffoli por gratidão ofertando-lhes uma merecida e generosa fatia.

Por tratar-se de presunção relativa, ainda confio que as pizzarias estejam fechadas e que não haja comemorações senão as da sociedade voltando a crer que a prestação jurisdicional se faz de forma igualitária, sem descriminação, que não se diferencia seus cidadãos pelo grau de instrução, pelas quantias bancárias amealhadas ou pelo poder angariado...


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