31 agosto, 2012

O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. O EXCESSO DE RECURSOS PROTELATÓRIOS. O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

A morosidade da prestação jurisdicional, por si só, já caracteriza injustiça. O sugestivo brocado de que a "justiça tarda, mais não falha" é um equívoco que se fez vulgar de cima para baixo, de vestes nada democrática, incompatível com a exegese constitucional em seu inteiro teor, mas particularmente por conta do art. 5º LXXVIII da CRFB, incorporado por força da EC. 45/04.
Este "novo" direito fundamental explicitado, já encontrava-se assegurado de forma menos evidente nos contornos do due process of law ou mesmo em razão da garantia inscrita no XXXV, do art. 5º, que assegura o acesso ao judiciário como a devida e efetiva proteção contra qualquer forma de violação de direitos. A Partir da EC 45 essa exigência se consolidou no limiar constitucional quando proclama que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", nos termos que já previa o Pacto São José da Costa Rica, do qual somos signatários. Esta norma constitucional foi além da mera exigência de o Estado ofertar maior acesso ao judiciário, esta cogente norma cobra-lhe eficiência e celeridade, através de uma razoável tempestividade da prestação Estatal. Impõe-se o direito a uma tramitação processual eficiente, significativamente muito além do mero direito ao processo.
Exige o dispositivo constitucional, que as instituições constituídas de poder promovam a necessária adequação normativo-estrutural-infraconstitucional para que se promova uma prestação de eficácia servível em tempo ao cidadão, a sociedade, que busca no Estado prestador satisfazer suas carências.
Um primeiro passo, não resta dúvida, foi dado quando o legislador iniciou seu caminhar em busca do sincretismo processual, na onda da efetividade do processo, onde em um mesmo processo obtém-se uma tutela cognitiva e a consequente, se necessária, executória, em fases processuais, sem a vetusta necessidade de ter-se que buscar em processo consequente parte da tutela jurisdicional não ofertada no antecedente. O sincretismo teve seu primeiro aflorar, na realidade, com o surgimento do par 7º do art. 213 do CPC, que trouxe a possibilidade de o juiz converter o pedido de tutela antecipatória, se de natureza cautelar, em cautelar incidental, que correrá no mesmo processo originário.
Vale ressaltar, que o art. 5º da CRFB, na medida do possível, terá aplicação imediata, na conformidade de seu par. 1º, sem a necessidade de qualquer regulamentação para a produção de todos os seus efeitos. Não custa lembrar ainda, que as normas infraconstitucionais anteriores serão consideradas não recepcionadas e as posteriores inconstitucionais, se contrariarem dita exigência constitucional.
Saliente-se ainda, que a violação ao direito de que se trata é passível da interposição de Mandado de Segurança por tratar-se de um direito líquido e certo, e defende-se ainda a responsabilidade objetiva por parte do Estado prestador, o que confere ao princípio da razoável duração do processo uma eficácia inexorável.
A Lei 11.672/08 trouxe outra sensível alavancagem nesse sentido quando previu os recursos repetitivos para os caso de haver uma multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito. Destes, deve-se capturar amostragens que sirvam de modelo para todos os demais casos semelhantes, por isso, imperiosa a avocação dos que trazem o maior número de argumentos e fundamentos no propósito de exaurir discussões. Infelizmente o STJ, por vezes, tem se descurado deste primado, ao capturar modelos que não exaurem as questões, e por conseguinte, deixando rabichos não resolvidos nos que encontravam-se sobrestados, trazendo inconsistência e insegurança jurídica aos jurisdicionados. Acreditemos fazer parte de um necessário processo de evolução...
Ponto fulcral e que necessita de um pronunciamento de maior solidez do STF recai no "mito jurídico" de ser ou não o duplo grau de jurisdição uma garantia constitucionalizada. Compactuo com as defesas de Marinoni, de Didier, entre outros, que para eles o duplo grau seria um princípio infraconstitucional, já que a CF teria sido expressa no art. 5º,  em garantir o contraditório e a ampla defesa, não procedendo o legislador ao mesmo cuidado com relação ao duplo grau. Partindo-se deste pensar, norma ou princípio infraconstitucional poderia prever decisão da qual não caberia recurso para casos específicos sem que se venha a burlar norma de status constitucional. O STF, vale dizer, nos seus últimos pronunciamentos, tem se filiado a essa doutrina como se pode verificar em suas jurisprudências mais atuais.
O STF vale dizer, nos seus últimos pronunciamentos, tem se filiado a essa doutrina como se pode verificar em suas jurisprudências mais atuais.
Aliás, a "obrigatoriedade" de um duplo grau de jurisdição causa situações contraditórias de embates entre nosso ordenamento interno, com exceções constitucionais ao princípio, e tratados de direitos humanos do qual somos signatários, como o Pacto São José da Costa Rica. Para parcela da doutrina o duplo grau tem raiz constitucional, pensamento divergente do que sustento, que para mim tem força de lei infraconstitucional ou supralegal em se considerado a força do Pacto São José da Costa Rica dentro de nosso ordenamento, podendo, portanto ser afastado por lei ordinária ou a se considerar o Pacto por exceção constitucional..


O julgamento do mensalão passa por essa dicotomia, já que o RISTF (anterior a CF/88) prevê o recurso de embargos infringentes, mesmo não podendo tratar de questões exclusivamente processuais, sendo que lei posterior que trata dos processos de competência Federal originária dos Tribunais não o prevê, em uma lacuna de viés proposital. Neste caso do mensalão propiciar o recurso de embargos infringentes é indubitavelmente aduzir a um não querer legal/constitucional que fatalmente, se levado a lume, provocará inequívoca morosidade, incompatível com o espírito de todo nosso ordenamento que está a modernamente se redesenhar.
Some-se a isso, o fato de que o Pacto São Jose da Costa Rica exige que o duplo grau seja realizado por uma instância superior a da decisão prolatada, o que não se revela faticamente impossível tratando-se o STF da Corte de instância mais elevada do país.
Como se não bastassem tais razões fáticas e de direito, há ainda outra que revela-se tendente a procrastinação processual. Seriam os próprios ministros que acabaram de votar no mérito que teriam que se pronunciar novamente a partir das mesmas provas já constantes dos autos e detidamente sopesadas em seus pronunciamentos, sendo mais um pedido de reconsideração que propriamente um recurso.
Desta feita defendo o não cabimento dos embargos infringentes, sendo possível tão apenas os recursos de embargos de declaração e a revisão criminal após o trânsito em julgado, preenchidos seus requisitos de cabimento. Da possibilidade de recursos no julgamento do mensalão tratei fartamente em artigo diverso.
Surfando nesta onda poderíamos pensar em se efetivar definitivamente o princípio, aí sim, constitucional, da razoável duração do processo, eliminando certo número de possibilidades recursais procrastinatórios que fazem a alegria de parcela diminuta de advogados com maior notoriedade e de jurisdicionados de maior poder aquisitivo, causando em contrapartida a mais profunda tristeza para os que não possuem o domínio da máquina judiciária, que em regra patrocinam a esmagadora parcela da sociedade ávida pela efetivação de seus processos sem fim, que muitas vezes encontra razões prementes na autossubsistência para esperar uma resposta jurisdicional eficaz pela celeridade.

Não defendo tese contrária ao pleno contraditório e ampla defesa, defendo sim, a tese contrária do seu mau uso, de seu uso procrastinatório através das quase infindáveis vias recursais, dando azo a pronunciamentos jurisdicionais que já perderam suas atualidades e razões de ser, muitas vezes atingidos de morte pelo instituto da prescrição e outras ineficazes, inclusive, pela morte natural do beneficiário da prestação jurisdicional requerida que revelou-se sumariamente morosa. Persegue-se dessa forma uma justiça que não discrimine, uma prestação jurisdicional menos "censitária" e com paridade de armas.

Nenhum comentário: