26 dezembro, 2012

UM JUDICIÁRIO DE COSTAS PARA POLÍTICA. NOSSO SISTEMA CONSTITUCIONAL DEVE ADAPTAR-SE AS NOSSAS REALIDADES SENSÍVEIS


A moralidade pública encontra-se em colapso e as instituições políticas sistemicamente carcomidas. As funções executiva e legislativa ignoram solenemente seus deveres de probidade e de lealdade que seus mandatos lhes impeliriam.
Acordo político tornou-se a alcunha publicável para conluio. A política dos freios e contrapesos (checks and balances) imaginada para uma mútua fiscalização entre as funções de poder tornou-se um dos meios para se escambiar vantagens indevidas para seus membros. A ética esperada pela sociedade, mas constitucionalmente exigida de forma expressa transmudou-se em risos sarcásticos reveladores do mais profundo desprezo pela sociedade conferidora de seus mandatos.
A certeza de que a política negociada pode superar a ordem jurídica em sua legalidade estrita comanda os sentimentos cínicos das funções políticas de poder. Some-se a isso um ordenamento notadamente permissivo aos crimes de poder, onde as caóticas e vetustas imunidades garantem mandatos e impunidades como regra.
Resta o judiciário, dentre as funções de poder a menos política. Certamente a única com certo grau de credibilidade, em especial onde a política não atingiu sua essência, indubitavelmente onde as investidas se revelam mais caras e recalcitrantes.
A sociedade de hoje deve tomar conhecimento da imperiosa necessidade de se fazer separar a política do direito.
Os Estados contemporâneos desenvolvidos perceberam que religião e Estado devem manter-se respeitosamente afastados para o bom funcionamento deste. Percebeu-se ainda, que a “ratio decidendi” não pode restar fundamentada por razões religiosas em um Estado laico, no máximo a se considerar como um “obter dictum” sem maiores relevâncias, que apenas razões sociais e do direito posto que se subsumirem ao caso são servíveis a um pronunciamento judicial válido.
A política, no entanto espraia-se como um vírus letal, que alcança do almoxarifado de uma pequena repartição pública a sala da presidência da república de forma avassaladora. E quais as formas palatáveis antivirais capazes de conferir o mínimo controle das práticas antidemocráticas, antirrepublicanas e atentadoras da moralidade pública que a política proporciona? Um judiciário forte e independente, calcado na meritocracia de seus membros, impenetrável pela política; além de uma sociedade instruída capaz de entender os instrumentos de nossa embrionária democracia, preferencialmente de forma cumulativa.
Saindo da utopia que se revela a segunda ventilada hipótese, passemos a única que se mostra possível em nossa atual estrutura pouco discernida de sociedade, mas nem por isso com uma participação de menor importância desta neste processo de mudança. A sociedade deve ser informada pela própria sociedade, não esperemos que o Estado cumpra este papel, de que prerrogativas da função que sejam arguidas com torpeza para se alcançar impunidades dos membros de poder não podem mais prosperar em um Estado Democrático de Direito. Que os cargos públicos comissionados, não concursados, nomeações políticas devem ser uma exceção indesejada pelo sistema com a característica da provisoriedade, até que novo concurso público seja implementado. Que a função judiciária reste intocada pelas demais funções de Estado para que não adoeça pela letalidade viral da política.
Hoje, alguns dos membros de maior hierarquia de nosso judiciário restam pressionados pela política a partir de seus julgamentos calcados em suas persuasões racionais motivadas. O julgamento do mensalão tomado pela política em todos os seus momentos, do oferecimento das denúncias até além da publicação do acórdão, por certo, fez-nos clarividenciar o quão sujeitos estão os membros que compõem a Casa Constitucional aos atropelos de quem pratica a má política.
Membros da Casa lamentavelmente afastaram-se das provas dos autos ao proferirem seus votos e partidarizaram-se com a permissividade da política. Alguns votos que beiraram o constrangimento foram proferidos na busca de uma “dívida política” que o sistema não pode mais tolerar. Os mais fracos tornam-se reféns de uma perniciosa política capaz de transformar um julgamento na maior Casa do judiciário em um julgamento político de interesses.
A estes, lembremos, publiquei artigo onde defendo a possibilidade de impeachment. Trago o amparo constitucional e subsumo a hipótese normativa ao caso concreto, vale conferir: http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/e-cabivel-processo-de-impeachment-por-parcialidade-de-ministro-no-julgamento-do-mensalao/1366/
Após a nomeação política para ministro do Supremo de Dias Toffóli, antigo advogado do PT e amigo de seu nomeante, imaginou-se que o mesmo caminho pudesse ser tomado por Dilma em relação  Fux. Nos bastidores é consabido que Fux teve acesso por intermédio da função executiva interessada de poder de todo o processo do mensalão, e que a partir do momento que Fux disse não ter visto razões para se incriminar os membros do partido da situação teria sido ele indicado ao cargo. Hoje, Fux é visto como traidor por não haver votado segundo os interesses do partido da situação, convive com ameaças e tem seu passado como magistrado investigado pormenorizadamente a fim de se encontrar qualquer deslize que retire sua credibilidade e quiçá dê azo a um processo de impeachment.
É neste compasso que defendo como remédio antiviral o fim das nomeações essencialmente políticas no judiciário para que não se proporcione que se barganhe com a ética e com as razões juridicamente possíveis de se decidir, para que não se criem decisões juridicamente insustentáveis a partir das provar carreadas aos autos como se observou minoritariamente entre alguns ministros. Para que as razões de direito se mantenha hígidas diante das pressões advindas da política má praticada.
A nomeação deve ser votada entre os próprios ministros que escolherão segundo comprovados aspectos delineados pela meritocracia. Entendo que o judiciário basta-se em si mesmo, que desnecessária seria qualquer espécie de aprovação de qualquer outra função enlameada pelo que a política traz de pior. Desta forma, eliminaríamos qualquer comprometimento que se distanciasse de suas imperiosas missões finalísticas traçadas pelo texto constitucional. Não se barganhariam, não se negociariam, cargos, em troca de decisões jurídicas parciais. Não se corromperia com a mesma facilidade que o sistema proporciona a conduta que deveria ser proba de um membro de poder por “dívidas de gratidão”. As nomeações seriam comprovadamente meritórias e ainda evitar-se-ia que a incapacidade comprovada alçasse voos além de suas possibilidades por serem mais flexíveis a parcialidades.
Como venho defendendo fazemos parte de um Estado Democrático de Direito e não de um Estado Político seja ele democrático ou não.

17 dezembro, 2012

OS ERROS DE UMA DEMOCRACIA SACI. UMA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL.


Corrupção significa quebrado em pedaços e em uma segunda acepção apodrecido, pútrido. 
“Quando o poder conduz o homem para arrogância, a poesia lembra-o de suas limitações. Quando o poder estreita as áreas de interesse do homem, a poesia lembra-o da riqueza e da diversidade de sua existência. Quando o poder corrompe a poesia limpa”, (por John F. Kennedy – 26/10/63).
“Quando os homens são puros as leis são desnecessárias, quando são corruptos as leis são inúteis”, (por Benjamin Diereali – 1881).
“O surgimento das sociedades organizadas corromperam o homem levando-o para um estado de barbárie”, (por Jean Jacques Russeau).
De fato precisaríamos de uma reforma profunda a começar por nossa atual Constituição Republicana, que não pode ficar restrita ao espírito, mas sim se corporificar por normas. Seus valores devem se normatizados para se alcançar uma maior efetividade em seu poder de imperatividade, de coerção.
Feita ainda sobre os ares sombrios de uma ditadura que ainda cafungava no cangote concedeu-se uma autonomia e uma proteção excessivas a algumas funções de poder que se tornaram cínicas, imorais e prepotentes por essência.
Perfez-se um diploma extremamente inchado, que trata em um sem número de momentos de assuntos sem qualquer viés constitucional, apenas formalmente constitucional por lá se incluir, mas notadamente infraconstitucional em seu aspecto material, criando-se um diploma menos focado do que de deveria para as questões imperativas de Estado.
O art. 37 da CF, que sofreu inúmeras alterações com a EC 19/98 sim, deveria orientar todos os demais artigos constitucionais quando se referisse a atuações de qualquer de funções de poder, não apenas principiologicamente como faz para uma melhor exegese das regras constitucionais, mas sim revestido como fator a preponderar no momento da própria criação e alteração destas.
Quero dizer, que os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência devem perder suas ínsitas cargas de abstração e ganhar concretude direta e imediata em cada dispositivo do ordenamento. Dever-se-ia dispensar o judiciário de ter que pronunciar-se pela aplicação de dados princípios quando violados, encontrando-os já inseridos em cada dispositivo da Carta Maior e consequentemente na Legislação infra.
Sua violação representaria a violação direta de alguma norma constitucional e de seus corolários legais, em um sistema que se integraria, que se apresentasse sem lacunas propiciadoras dos desvios funcionais e de interesses, um verdadeiro câncer organizado de poder.
Os princípios orientadores da Administração deveriam estar postos como cláusulas pétreas com o fito apenas de se subsumir a novas situações ainda não previstas pelo direito positivo que se fizesse apresentar, já que este jamais acompanhará a evolução dos acontecimentos sociais de relevo para o direito.
A excessiva liberdade de atuação conferida às funções executiva e legislativa, a partir de um ordenamento frouxo e complacente, repleto de imunidades materiais e processuais dirigidas aos agentes desviados do interesse público, foi o grande incentivador para disseminação dos crimes contra a Administração Pública, que em verdade, melhor estariam caracterizados como crimes contra a sociedade, pois é o erário público que se sangra sob a batuta de interesses privatistas de poder.
Crimes contra a Administração Pública deveriam contar com o máximo rigor das normas penais, ter o mesmo tratamento conferido aos crimes hediondos e serem imprescritíveis, para que não se permitisse o funcionamento do sistema de conluio instalado entre as funções de poder perpetradores da desordem moral, a fim de que não logre êxito a impunidade por razões de ordem temporal ou de favorecimentos escambiados de ordem política. As penas aplicadas aos os tipos penais violadores do interesse público perpetrados por mandatários, agentes públicos e políticos deveriam ganhar caráter de exemplaridade, a fim de se açoitar os aventureiros que contam com as facilidades da máquina estatal.
Democracia não deve trazer como consequência a impunidade pelo excesso de liberdade. As funções públicas devem ser exercidas através de uma liberdade controlada, vigiada. O poder fiscalizatório deve ser o poder máximo do Estado e seus exercentes não podem ser nomeados politicamente, mas concursados, treinados e aptos ao exercício retilíneo e probo. Deveriam fiscalizar e serem fiscalizados por suas fiscalizações, a política abandonada e a eficiência normativa incorporada.
Bradam-se verdadeiras falácias como forma de se fundamentar a burla as exigências legais e se desviar dos fins de direito. A licitação, um exemplo, em tese, que o ordenamento possui para se aplicar os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade, se mostra reiteradamente ineficiente ao seu fim maior. Cartas marcadas, objetos licitados superfaturados formam a tônica de um sistema aviltante ao art. 37 da CRFB. Legalizam-se procedimentos licitatórios simplificados onde a fiscalização da legalidade se faz insipiente e renegada, alega-se a busca da celeridade como uma exigência do mercado, quando a morosidade mostra-se como retrato da mais absoluta ineficiência administrativa. Criam-se situações artificiais de emergência que possam levar a alguma das hipóteses de dispensa de licitação com o objetivo de se firmarem contratações diretas, superfaturadas e atentadoras dos princípios e artigo que se deveria paradigmar.
Uma porcentagem mínima dos desvios de finalidade é tornada pública, já que ardilosamente protegidas pelo sistema organizado de poder. Desta, uma porcentagem ínfima resta apurada e levada ao judiciário, que quando não se depara com a prescrições ou arquivamento políticos, possuem a disposição a complacência de um ordenamento incapaz de proporcionar uma reprimenda suficiente, que se mostre proporcional ao dano vislumbrado. Dano, que não se mede apenas por valores pecuniários, mas sim, ainda, pelos valores morais de uma higidez de probidade que se deveria esperar dos que ocupam qualquer função pública e que deveriam atuar segundo a supremacia do interesse público.
A guerra contra esse estado insustentável de decadência moral deveria estar declarada. Barreiras advindas do déficit educacional e moral da própria sociedade, que se somatiza a omissão de uma efetiva participação direta desta em seus próprios destinos, ainda preponderam, e de certa forma, legitimam as escaras do sistema. Distorções como a simpatia vilmente comprada da sociedade através de uma política populista em sua feição apodrecida, garantem que o sistema se mantenha higidamente putrefato e com as mesmas figuras repugnantes no comando.
O poder emana do povo que o exerce, em regra, indiretamente por sua representes. Lindo, porém em nossa democracia, de diminuta aplicabilidade prática, já que somos incapazes de escolher o menos venal entre os venais, salvo pontuais exceções, e destes escolhidos não temos qualquer forma de controle eficiente de suas gestões e mandatos, que fica basicamente restrito ao sufrágio de uma maioria de analfabetos funcionais com dificuldades até mesmo de autodeterminarem-se. Em verdade, o poder é exercido pelo poder e no interesse do poder.
Uma democracia construída para proteção das liberdades de poder, sem controle eficiente da sociedade, que em grande parte nem ao menos conhece os instrumentos que lhe estão postos, que entende que democracia se resume ao voto e a liberdade de expressão. Uma democracia já carcumida, embora ainda pós-embrionária, que se depara com o apodrecimento antes mesmo de alcançar sua maturidade.
Uma Constituição mais enxuta, com uma federação menos centralizada em um de seus entes “autônomos”, a União, que confira autonomias “cum granus salis”, pois o poder fiscalizatório deve ser o poder de prevalência entre os demais. Uma federação onde o Executivo, o legislativo e o judiciário, amplamente fiscalizados, encontrem uma paridade de forças até o momento de se acionar o judiciário, quando este terá sempre a última palavra como deve ser em um Estado Democrático de Direito. Uma Constituição onde o legislativo não possa votar matérias de interesse pessoal de seus membros, ou em caso de permissivo constitucional, que reste ratificado pelas demais funções de poder para que a imoralidade encontre barreiras para perseverar.
Lembremos que nossa ordem maior consagrou um Estado democrático de Direito, e não um Estado Político Democrático como faz transparecer. As razões políticas só estão legitimadas se enquadradas no campo da legalidade (lato sensu), caso contrário as razões deverão ser sumariamente repelidas e emblematicamente punidas.
Enfim, mudanças tantas que não é o local e nem o objetivo deste artigo trazê-las pontualmente, que talvez a CF/88 mostre-se “irremendável” e deva ser construída uma nova ordem constitucional, agora a partir de uma base democrática mais experimentada e com boa parte de seus vícios passíveis de serem visualizados e eliminados, uma democracia com suas duas pernas para caminhar com menos desvios e desequilíbrios.
O poder não fiscalizado é um poder irremediavelmente corrompido. A fiscalização e a transparência em graus superlativos são imperativos de uma democracia praticável, onde as liberdades prestam contas a sociedade e a quem de direito.
Talvez a mais completa ausência de vontade política em uma sociedade intelectualmente pobre e pouco discernida, sejam as pedras que esta “democracia democrática” a ser construída precise enfrentar para que venha a lume... Hoje uma utopia, amanhã a história nos contará de sua viabilidade...
Um Estado corrupto é um Estado apodrecido.

08 dezembro, 2012

ENFIM, CABE A QUEM A DECISÃO FINAL NO TOCANTE A PERDA DOS MANDATOS POLÍTICOS DOS PARLAMENTARES CONDENADOS PELO SUPREMO?


O julgamento do mensalão encontra-se em seus últimos capítulos, mas nem por isso com debates jurídicos menos críveis de acurada crítica.
Os mandatos dos mensaleiros parlamentares devem ou não restar cassados automaticamente pelo STF? A última e derradeira decisão caberá ao STF ou ao Congresso Nacional como pretendem alguns?
O presente artigo partir-se-á de uma lógica posta para que esta reste corroborada pela ordem constitucional vigente que será demonstrada.
É fato consabido, de uma regra comezinha do direito, que a última palavra cabe ao judiciário, de que decisão jurídica não se discute, se cumpre. E quando a última palavra emana da maior instância do judiciário nacional, guardião da Constituição, intérprete último das normas constitucionais? E quando este órgão máximo do judiciário está a condenar membros de um parlamento pela prática dos mais diversos crimes capitulados no CP contra a Administração Pública, crimes que atentam contra o erário, contra a moralidade administrativa, enfim, atos que importem crime de responsabilidade ou improbidade administrativa, a depender do agente praticante, seria realizável que o corporativismo político tivesse a derradeira palavra?
Segundo a lógica racional repara-se com razoável fluidez o indefensável argumento de que caberia ao CN a derradeira decisão quanto à perda ou não do mandato parlamentar. Sujeitar-se-ia a palavra da maior Corte do judiciário do país a aprovação ou rejeição do Congresso Nacional, que teria a força de impedir um dos efeitos secundários da decisão do Supremo.
Neste talante abrir-se-ia a possibilidade de que razões de ordem político-corporativas apagassem um dos efeitos secundários da decisão do Supremo, uma ingerência “impalatável” sobre as razões de decidir da maior Corte do judiciário do país, ingerência de outra função de poder que poderia, em última ratio, criar inclusive um conflito de poder (já que este é uno e indivisível).
Não bastassem as razões de ordem lógica acostadas, o debate se dissolve, se define, ao se colar as razões constitucionais que se passam a vislumbrar.
O art. 15, III c/c art. 55, IV, par. 2º da Constituição da República são suficientemente claros e objetivos para se afirmar que a decisão final cabe ao Supremo Tribunal Federal e não ao CN, como desafio demonstrar.
Para início de conversa, defende-se a corrente do não cabimento de recursos com efeito modificativo da decisão do Supremo. Defende-se o não cabimento de Embargos Infringentes pelas razões que expus em outro artigo de minha autoria, que em rápida exposição fiz demonstrar que dispositivo do RISTF que autorizava os Embargos Infringentes, impropriamente (já que ao STF não cabe legislar em matéria processual), restou revogado. Sucedeu, que referido dispositivo de RISTF restou revogado por posterior Legislação Processual Federal que tratou exaustivamente de matéria processual nos tribunais, que solenemente ignorou esta possibilidade recursal da decisão plenária do STF. Outras razões há no artigo mencionado, se esta não se revelar suficiente, momento que se remete ao artigo próprio: “A Razoável Duração do Processo Como Princípio a Ser Perseguido e o Julgamento do mensalão”.
 Desta feita, entendo cabíveis tão apenas o recurso de Embargos de Declaração em preenchidos seus requisitos de interposição, recurso que não terá o efeito modificativo apto a transmudar uma condenação em absolvição.
Nesta seara que se defende, admito, com respeitáveis discordâncias doutrinárias, que passado o prazo para interposição dos ED ou julgados estes, ter-se-á o transito em julgado da decisão, não sendo mais os Embargos Infringentes recurso hábil para manuseio pela parte condenada.
Deixando-se de lado as razões que a lógica temperadas com alguns clareamentos jurídicos que se fizeram necessários, passemos a fundamentar nossa posição por argumentos notadamente jurídicos.
O art. 15, III da CRFB é de clareza meridiana e promana em seus termos ser vedada a cassação de direitos políticos, cuja suspensão ou perda só se dará nos casos enumerados nos incisos. O inciso III traz a hipótese da condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Já o art. 55 do mesmo diploma causa uma certa confusão se interpretado por um leigo ou por um intérprete eivado do câncer da parcialidade ideológica, que se profissional do direito, acabo por tempera-lo como intelectualmente desonesto. Por este, em seu inciso IV, perderá o mandato o deputado ou senador que perder ou tiver suspensos seus direitos políticos.
Amarrando-se o art. 15, III com o art. 55, IV, parte da questio iuris já se revela solucionada. Revela-se por inteiro, no entanto, quando se aduz a leitura do par. 2º do mesmo art. 55. Segundo ele, nos incisos I, II e VI a perda do mandato será decidida por uma das Casas do Congresso Nacional, à depender de que Casa o parlamentar seja membro. Em nenhum momento se cogitou do inciso IV como uma competência do CN.
O conflito surge, entretanto, se observarmos o inciso VI do mesmo par. 2º, donde se exsurge que caberia ao CN a decisão sobre a perda do mandato. O conflito se apresenta, pois, como demonstrado, o art. 15, III fala da perda dos direitos políticos a partir de condenação criminal transitada em julgado, que se fez corroborado pelo art. 55 em seu inciso IV. Ou seja, há um paradoxo legislativo a ser superado pelo STF.
E como se resolver esse aparente conflito de normas constitucionais? Deve o Supremo proceder como intérprete constitucional da Carta Maior, sem os viços da política e com as razões que o direito lhe fornece, para esclarecer que o pronunciamento do CN será apenas declaratório da decisão do STF, já que, desta solução, não se poderá afastar-se. Ao legislativo caberá apenas o cumprimento da decisão judicial.
Não há como um parlamentar que perdeu seus direitos políticos manter-se parlamentar sem seus direitos políticos, revelar-se-ia um paradoxo com sérias tendências a surrealidade ou a esquizofrenia patológica, não apenas do ordenamento como de seus defensores.
Por último, vale lembrar a Lei da Ficha limpa, que impede candidatos com decisão condenatória confirmada por tribunal, praticantes de determinados crimes lá elencados, em sua maioria contra a Administração Pública, de se candidatarem. Como imaginar manter no cargo um parlamentar condenado pela maior instância do judiciário nacional que não possuirá mais seus direitos políticos? Inconciliável. Esta possibilidade corporativa não pode caber ao Congresso Nacional decidir.
Cabe a imprensa fazer-se isenta e informar com lealdade. Cabem aos profissionais do direito não utilizarem de má-fé intelectual de modo a não subverter a opinião pública com inverdades.

28 novembro, 2012

UM GOLPE NA DEMOCRACIA. O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO PODE SER CALADO PELAS FORÇAS CORRUPTAS DE PODER!


O que vem se discutindo esterilmente desde a promulgação da CRFB/88, ganha um viés político contrário ao interesse público e deveras perigoso, capaz de promover um retrocesso indesejado em nossa impúbere democracia e na efetividade de nossa prestação jurisdicional, que se hoje ainda capenga, amanhã pode ter uma de suas pernas amputadas.
Com o julgamento do mensalão, as funções executiva e legislativa, por seus membros, parecem ter optado pelo conluio (não entendo esta adjetivação como excessiva) como forma de se autoprotegerem por suas mazelas aproveitando-se de uma discussão que perdia força e sentido com o passar do tempo para se integrarem a única instituição que possui legitimidade para causa, a Polícia, que luta desde os idos de 88 por uma maior autonomia de poder.
Propõe-se tratar neste artigo dos poderes de investigação criminal do MP, constitucionalmente amparado pelo preceituado no art. 129 pelas razões da lógica e corroborado principiologicamente pelo direito de maneira inelutável.
Para início de conversa, antes de adentrarmos as razões de direito, importante delimitar as razões políticas que circundam a questão. Não tratarei, em respeito ao discernimento mínimo que se espera do “homem médio” das obviedades ululantes que a temática encerra. Por isso não discorrerei muito além da afirmação de que o mensalão construiu um espírito de revanchismo latente, que de um lado, com sede de vingança, encontram-se as funções executiva e legislativa de poder, a primeira atingida diretamente e a segunda potencial “vítima” do Estado Democrático de Direito, capitaneado pelo MP e pela função judiciária de poder.
É certo, que o poder é uno e indivisível, e que as funções sim, se tripartem. Desta forma, em um verdadeiro cabo de guerra entre as funções de Estado, o poder uno se enfraquece e o Estado Democrático de Direito se debilita. A sadia e aconselhável política dos “checks in balances”, onde uma função fiscaliza a outra pelo fortalecimento de um poder único e democrático, aqui incluo o MP como instituição permanente e essencial a função jurisdicional do Estado, pode vir a sofre um golpe sem precedente na busca pela moralidade das políticas públicas, dos agentes públicos e precipuamente dos agentes políticos de Estado.
Encontra-se já no Congresso Nacional PEC 37, e no Supremo tribunal Federal a ADI 4271 proposta pela ADEPOL do Brasil, que tem por intuito calar o MP em sua precípua função constitucional. Aqui venho asseverar desde já a “teoria dos princípios implícitos”, da qual o seu desrespeito é capaz de alijar o MP em sua essencial função constitucional de oferecer a ação penal (denúncia). Por esta teoria, que respeita o sentido lógico de qualquer exegese aferível, construída nos Estados Unidos da América e praticada em todos os Estados que possuem a democracia como valor a ser respeitado e observado, quando se confere competência a determinado órgão de Estado, em deferimento implícito a este mesmo órgão se confere poderes para o uso dos meios necessários para que se cumpra integralmente o fim atribuído, em respeito a razão geral e ao senso universal. A concessão dos fins importa naturalmente a concessão dos meios.
Se cumpre ao MP como sua missão precípua promover privativamente a ação penal pública, nos termos do inciso l, do art. 129 da CRFB, não seria minimamente razoável que a Constituição concedesse o direito com um mão e impedisse sua perfeita fruição com a outra.
Neste instante, vale lembrar, que a polícia Judiciária, a maior interessada até o julgamento do mensalão em suprimir os poderes investigatórios do MP para apenas com ela se concentrar referida atribuição, é uma instituição que não goza da autonomia funcional do MP, pelo contrário, está diretamente subordinada a função executiva de poder. Resta mais que clarividente, que por isso, a Polícia Federal é uma instituição pressionada pela função executiva e desta forma não se pode asseverar que haja com a liberdade funcional que possui o MP para denunciar, a título de exemplo, um administrador do executivo federal que se distancie dos padrões de legalidade estrita a que estão impelidos os administradores.
Nesta seara, se afirma que não pode o MP ficar adstrito às investigações processadas pela Polícia Federal, aguardando de mãos atadas a produção da justa causa de uma instituição que não possui independência funcional, para que aí sim possa oferecer a ação penal pública, sendo certo, que em se não alcançando a justa causa ou a ação penal não será oferecida ou será e não será recebida. E a impunidade? Esta encontrará sua zona de conforto nos crimes de poder.
O inciso VI do artigo constitucional em comento refere-se expressamente à expedição de notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações documentos para instruí-los. Evidente que o procedimento administrativo referido é o investigatório. É o momento que o promotor formará sua “opinio delicti”, para se for o caso oferecer a denúncia, para respaldar sua ação penal. Evidente que este procedimento administrativo referido no inciso VI não é o inquérito civil preparatório para ação pública, pois do inquérito civil já tratou o inciso III. O inciso VI encontra-se inequivocamente atinente ao âmbito criminal enquanto o inciso III circunscreve-se ao cível.
O inciso IX vem para corroborar ainda mais a posição aqui sustentada, sendo a única, vale dizer, sustentável em um Estado Democrático de Direito. Pelo inciso IX permite-se a o exercício de funções outras que forem atribuídas ao MP e que sejam compatíveis com suas finalidades, A L. 8625/93 confere ao MP a possibilidade de instaurar procedimentos administrativos investigatórios em seu artigo 26.
Paulo Rangel afirma com máxima razão que “A investigação criminal direta pelo MP é uma garantia constitucional da sociedade que tem o direito subjetivo público de exigir do Estado as medidas necessárias para reprimir e combater as condutas lesivas a ordem jurídica”.
Outros exemplos de permissivos ordinários para que o MP investigue encontram-se no ECA em seus artigo 179; no Estatuto do Idoso art. 74, Entre outros.
Certo foi ainda, que o Constituinte não admitiu dar a um só órgão a função de investigar. O próprio art. 58, par, 3º, confere a CPI o poder de investigação própria.
Lamentavelmente nossa polícia ainda carrega as chagas provenientes do regime militar, atuando muitas vezes por razões bárbaras e aviltantes dos Direitos Humanos, em muitas ocasiões sustentando estes razões hipócritas, à bem da verdade. Os excessos por parte da polícia, no entanto, no entanto, são incontestes, o que faz corroborar a necessidade não apenas de um rígido controle externo, fardo que carrega o MP (art. 129, VII, CRFB), mas de sua atuação nos deslindes de fatos que trarão os subsídios necessários para o oferecimento da ação penal pública da qual é exclusivamente competente. O despreparo de nossa polícia é tão notório, que a ONU chegou a solicitar a extinção de nossa polícia Militar, alvo de reiteradas críticas das comunidades internacionais.
A sociedade clama não por uma Emenda que venha a retirar a imparcialidade do MP para investigar os fatos que lhe trarão os subsídios para a proposição de sua ação penal, conferindo exclusividade da persecução penal a influenciável Polícia Judiciária; a sociedade não espera uma Emenda que amplie a capacidade de traficar influências hierárquicas para se alcançar investigações ineptas com vistas a se a alcançar impunidades. A sociedade espera sim, um Estado que confira independência funcional a uma instituição e que conceda meios para que esta instituição cumpra sua função essencial com máxima eficiência, por isso o MP não pode ser alijado das funções de investigação criminal em respeito à “teoria dos poderes implícitos” e a lógica de todo um sistema que deve funcionar democraticamente e sem indesejáveis interferências de poder.
A operação “Monte Carlo” revela-se um dos muitos tristes exemplos de que a polícia não pode ter a exclusividade da persecução criminal, que deve ter esta atribuição concorrente com instituição que goze de independência funcional, como o MP. Após concluída a operação, um sem número de procedimentos administrativos investigatórios restaram abertos pelo MP de Goiás em desfavor de autoridades públicas daquele estado, entre elas o Secretário de segurança e delegados de Polícia, que não contam com as prerrogativas funcionais dos Membros do MP e acabam por se tornarem marionetes facilmente manipuláveis quando o objetivo é o alcance da impunidade.
A democracia não pode se calar, para isso à sociedade deve ser dado o poder da palavra. Como o poder emana do povo, que o exerce por representação escolhida através de escrutínio, cabe à sociedade se manifestar quando seus representantes não atuam na defesa do interesse público para o qual foram eleitos. Legislar contra os interesses da sociedade é cumprir uma “não função” pública, é defender interesses privatistas que passam indelevelmente a carecer de legitimidade.
As sociedades que mais respeitam a democracia são justamente as que conferem ao MP independência funcional e um largo campo de atuação dentro de suas competências. A tentativa de calar o MP é um golpe na democracia e uma vitaminada na impunidade, portanto um retrocesso de uma conquista que não pode  ser defenestrada, sob pena de se ferir o princípio da proibição do retrocesso social, já que a democracia é inelutavelmente um direito fundamental de todos em um Estado Democrático de direito nos termos de nossa Carta maior.

19 novembro, 2012

O REGIME MILITAR CONTADO COM AS RASURAS METICULOSAMENTE POSTADAS PELOS PODERES DE ONTEM E DE HOJE...

Depois de alguns pedidos de leitores para que eu tratasse desta inebriante temática, peço vênia e nela insiro-me sem meias palavras...
Dividirei o post em três momentos: Em um primeiro discorrerei no geral e enxertarei algumas curiosidades históricas do período; no momento seguinte, entrarei com a crítica propriamente dita e abordarei a famigerada Lei de Anistia em algumas de suas peculiaridade; e um terceiro momento... Aos trabalhos!

1º momento:
A Ditadura Militar no Brasil perdurou por exatos 21 anos e teve como fundamento ideológico declarado o iminente risco de comunismo que pairava sob o país. Seu início real deu-se em 1º de Abril de 1964, curiosamente o dia da mentira, dia, vale dizer, negado pelos militares, que pelo simbolismo negativo da data, anteciparam seu iniciar, o dia do golpe que depôs João Goulart, para 31 de março do mesmo ano.

Alforriou-nos, devolvendo-nos a cidadania, em 15 de janeiro de 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves. Notadamente foi o período de maior repressão política de nossa história, com 380 pessoas dadas legalmente como mortas, parte de guerrilheiros da esquerda, além de muitos estudantes e cidadãos comuns que eram vistos como não simpatizantes do regime. Calcula-se que em torno de 147 pessoas permanecem desaparecidas e nada se sabe do destino de seus corpos...

O regime pôs em prática vários atos institucionais, culminando com o AI-5 de 1968 com a suspensão da Constituição de 1946, a dissolução do Congresso, a supressão de liberdades individuais e a criação do CPPM (Código de Processo Penal Militar), que permitiu que o Exército Brasileiro e a Polícia Militar do Brasil pudessem prender e encarcerar pessoas consideradas "suspeitas". Os atos institucionais tinham em regra a finalidade de restringir e por vezes abolir liberdades individuais, possuindo indubitável caráter repressor-autoritário de vestes absolutistas e anti-democráticas.

Neste período de ditadura, conhecido como "anos de chumbo", aboliu-se o Estado Democrático de Direito criando-se um Estado de exceção. O executivo avocou boa parte da competência legislativa e passou a governar a partir de atos institucionais. De início a idéia era que houvesse apenas dois atos institucionais que objetivavam cassar as cabeças pensantes intitulados como comunistas ou simpatizantes, mas estes se sucederam sempre com o precípuo objetivo de consolidar o regime e expurgar qualquer espécie de resistência organizada ou não. Direitos políticos eram cassados discricionariamente, pessoas eram presas, independente de estarem em estado de flagrância ou de qualquer expedição ordem judicial, a partir de simples suspeita de resistência ou mesmo de uma feição próxima ao estereotipo de comunista. Sem qualquer direito à defesa eram taxados de comunistas subversivos, e bastava como fundamento suficiente para a restrição mais basilar das liberdades, o direito de ir e vir e autodeterminar-se. Pelo AI-1, por exemplo, quem não era a favor do regime era contra, e, portanto, considerado inimigo do Estado e de imediato tinha seu nome fichado no SNI, (Serviço Nacional de Informação). Se o fichado fosse entendido como uma cabeça pensante não simpatizante, independente de qualquer ordem judicial o SNI poderia mandar quebrar os sigilos de telefone, de correspondência e passavam a ser considerados "perigos à Segurança Institucional". Uma série de políticos tiveram seus mandatos cassados, suas famílias postas sob vigilância, alguns foram processados e expulsos do país tendo declarado seus bens indisponíveis...

O Congresso quando não estava fechado tinha uma existência "pro-forma", "para inglês ver". Completamente esvaziado de suas funções alguns oposicionistas tentavam se fazer ouvir em plenário, mas logo eram cassados. A imprensa mostrava-se favorável ao golpe, publicava apenas o que se revelava do interesse do regime dominante-repressor.

Por falar da mídia, este período da história, saliente-se, tivemos uma imprensa despersonalizada, serviente, um mero instrumento passivo de "manobras militares"... Isso só foi se alterar quando novos ares pairavam e o que tivera sido forte em outrora não mais contava com uma conjuntura internacional favorável, aí voltamos a ter uma imprensa... Aliás, a única mídia que se postou contrária ao golpe de 64 foi o jornal Última Hora, o que obrigou seu diretor a exilar-se... As demais mídias apoiaram o golpe e se auto-afeiçoaram à figura de uma foca adestrada... As manchetes no dia que se sucedeu ao golpe eram de comemoração do tipo: O Estado de S. Paulo trazia o seguinte texto: "Minas desta vez está conosco (...) dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições". No Jornal do Brasil se lia: "Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas". O Globo de 2 de abril de 1964 dizia: "Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos". E O Estado de Minas trazia em 2 de abril: "O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade". O Globo de 4 de abril trazia: "Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem".

A Assessoria Especial de relações Públicas (AERP) funcionava como uma agência de propaganda para os governos militares. O objetivo era fazer veicular publicidades que enaltecessem o regime através dos meios de comunicação.

A censura, no entanto, foi alcançar seu apogeu institucional em 1968, com a criação do Conselho Nacional de Censura. Seu objetivo? Inibir a infiltração de agentes comunistas nos meios de comunicação, que lançavam "falsas notícias de torturas e desmandos dos poderes constituídos"... Mas não foi apenas isso... Criou-se um Tribunal de Censura, com competência para celeremente julgar os meios de comunicação que de alguma forma questionassem a ordem estabelecida. Caso considerados culpados nos julgamentos parciais e sumaríssimos tinham seus meios de comunicação fechados e lacrados em nome da necessidade institucional...

A cultura censurada asfixiou-se... No dia 18 de julho de 1968 integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), grupo de extrema direita, invadem o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, espancam o elenco da peça Roda Viva, ferindo todos os integrantes, alguns com certa gravidade; a polícia, embora chamada, nada fez além de um boletim de ocorrência. A ditadura acabou por asfixiar a cultura nacional. Muitos artistas buscaram espaço para suas produções. Chico Buarque e Caetano Veloso, por exemplo, optaram por deixar o Brasil, entre tantos outros. Gilberto Gil e Caetano Veloso, após protestarem publicamente contra a ditadura, foram presos no Rio de Janeiro no dia 22 de Dezembro de 1968. Segundo os censores e os órgãos de informação oficial, o motivo da prisão foi "tentativa da quebra do direito e da ordem institucional", com mensagens "objetivas e subjetivas à população" para subverter o Estado Democrático Brasileiro estabelecido pela "revolução". Em função da notoriedade dos artistas, foram aconselhados a se exilarem do país. No jornal Estado de São Paulo, embaixo do título da notícia, aparece uma receita de torta de abacaxi recheada com pepino.

Com a Constituição de 1967, Castelo Branco constitucionaliza a ditadura militar e o Estado de exceção. A partir da Lei de Segurança Nacional constitucionalizou-se o crime de opinião, o crime de subversão, o crime político, o enquadramento de qualquer cidadão a Lei de Segurança Nacional, sua expulsão discricionária do país, a indisponibilidade de seus bens e outras medidas mais, reveladoras da autoritária hostilidade deste período nebuloso de nossa história.
Apenas a título de curiosidade, é consabido, que o golpe e a mantença do regime contou com o inegável respaldo Norte-Americano. Aliás, uma das primeiras medidas dessa era foi a obrigatoriedade do inglês como idioma obrigatório nas escolas públicas e privadas do país, como medida de promover a cultura "tio Sam" por aqui entre os tupiniquins, o que tornou-se uma realidade irrefutável que perdura até os hodiernos dias...

2º momento:
Chegava-se a hora de despedirem-se do poder. A conjuntura mundial amplamente desfavorável aos regimes totalitários, a crise do petróleo que assolava o mundo, o endividamento brasileiro alcançando níveis alarmantes e já se vislumbrando a quebra do país, os processos de redemocratização nos países vizinhos e a redução do apoio econômico Norte-Americano ao regime, entre outras causas, fez surgir a premente necessidade da ditadura militar repassar o osso antes que tropeçassem nas próprias pernas autoritárias, mas já descordenadas... A essa altura, a própria imprensa percebeu a mudança do curso da maré e começou a preparar-se para apoiar o novo regime que estava por surgir, reduzindo a intensidade da lavagem cerebral que produzida pelos meios de comunicação sob as tutoriais ordens da ditadura.

Militares e civis que haviam torturado e matado centenas de brasileiros em paus de arara, com choques elétricos, afogamento, espancamento dentre outras técnicas passaram automaticamente a serem inimputáveis, ou seja, jamais poderiam ser alcançados pela lei de um regime democrático e julgados por seus crimes. Era uma espécie de legalização com efeitos ex tunc da impunidade e com efeitos perpétuos...

O país pode e deve envergonhar-se em especial de duas porcas decisões prolatadas no plenário do STF. A primeira foi a legitimação pela Corte Constitucional da bandalha política com o que se convencionou chamar de mensalão. A segunda, e segunda não por grau de importância, foi o reconhecimento da validade plena da Lei de Anistia. Decisões ultrajantes que merecem o mais completo asco social.

O objetivo aqui não é fazer um aprofundado estudo da Lei de Anistia, mas sim chamar a atenção da sociedade que essa não é uma causa tão apenas das famílias dos seqüestrados, torturados, metralhados e "envalados", das famílias dos desaparecidos que jamais se teve notícias, não é uma causa dos expurgados de sua nação como se nocivos criminosos fossem, como se atentassem contra a soberania institucional apenas porque ousavam ter opinião divergente, essa não é uma causa apenas dos brasileiros que tiveram suas cidadanias aviltadamente mutiladas e suas liberdades arbitrariamente cassadas; essa é uma causa sim, do povo brasileiro, que não pode comungar com a barbárie institucionalizada de um regime que em seus últimos suspiros rasurou seus contos sombrios e pactuou sonegá-los para que não saibamos nossa real história, para que nossas memórias se mostrem falhas e lacunosas, e, portanto, adormecidas pelo desconhecimento.

Os membros de poder de hoje parecem ainda conluiados com os membros de poder de ontem. Há uma necessidade mútua de mutilação de nossas histórias por seus passados que impedem que nossas memórias se completem. Os arquivos, que certamente muito tem a nos revelar, podem comprometer figuras proeminentes do presente por suas mentiras, revelar feridas podres ou que se apodreceram com o passar do tempo, não cicatrizáveis, isso factualmente gera resistência...

A sociedade não pode manter-se inerte, calada pela ignorância que nos impuseram. Foram praticados crimes contra a humanidade, que pela melhor doutrina e mais consentânea com os tratados internacionais multilaterais que o Brasil aderiu não podem ser tratados como crimes políticos, mas comuns contra a humanidade e em sua maioria imprescritíveis, como os de seqüestro (crime continuado que se protrai no tempo, enquanto não se tiver notícias da liberdade do seqüestrado).

Em 2010 a OEA responsabilizou o Estado brasileiro pelo desaparecimento de 62 pessoas de 1972/75, que participaram da guerrilha do Araguaia e foram reprimidos por militares do norte do país. A sentença orienta o Brasil a investigar os crimes e indenizar as vítimas, não podendo a Lei de Anistia representar um obstáculo.

O dizer é basilar, mas servirá como fechamento deste escrito: Art. 1º, parágrafo único da CF: "O PODER EMANA DO POVO, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição". Deste artigo extrai-se duas possibilidades que chamarei de premissas: Ou o povo faz valer o seu poder através de seus representantes; ou o povo o exerce diretamente, sem representação. Para ambas a conclusão deve ser uma só: O povo só terá poder se exercê-lo, e certamente não será com a omissão de uma sociedade apática e desinteressada, em especial no tocante a sociedade pensante, que o comando constitucional deixará de se amesquinhar apenas ao texto escrito e se revelará de fato neste país...

Gostaria de acentuar o que não se pode deixar de firmar, que no momento do golpe o Brasil de fato estava entre a cruz e a caldeirinha... Não se respirava ares democráticos... Duas forças do país puxavam um mesmo cabo de guerra, o cenário era relativamente simples: De um lado a direita, que deu o golpe ao lada de representantes do capitalismo, do outro a esquerda representando o comunismo, o mundo vivia a guerra fria (USA X URSS) e se dividia... De fato não foram factoides os discursos que se faziam à época do perigo comunista. O comunismo de Cuba estava pronto para atravessar nossas fronteiras, e representava sim um perigo iminente. Talvez se o golpe não se fizesse em 1º de abril pela ditadura da direita, dia 2 a ditadura da esquerda tomasse o poder (em clara linguagem figurada)...

Viveríamos de qualquer forma um período sem o direito da palavra, um período de repressão. Eram dois infernos sem um Deus da salvação... Acabamos no inferno que certamente nos queimou, mas não nos torrou como o inferno vermelho dos comunas (opinião própria)... E faça-me o favor, não se enganem com o poder de hoje, pois o poder de hoje eram os guerrilheiros comunas de ontem separados pelos momentos da história... Pergunto: A que se deve o desinteresse do poder de hoje em mostrar com plenitude o passado de ontem? Essa resposta acredito fielmente que vocês já possuem... E será que o Brasil, no modelo comunista cubano, seria melhor que o Brasil de hoje? Essa resposta, por certo, vocês também já devem possuir... A certeza que se tem é que qualquer ditadura, seja de esquerda seja de direita deve ser execrada! Tanto os modelos stalinista como o nazista são representações máximas de regimes totalitários de repressão social que se espalharam pelo mundo em dado momento histórico, cometedores de crimes em massa contra humanidade e os mais vis desrespeitos à dignidade humana. Isso a história nos contou... Nossa ditadura não se perfez com esse extremismo, mas nossa história ditatorial foi repleta de abusos do poder e precisa ser contada e passada a limpo para que se tenha história para contar...

3º momento:
Este terceiro momento só a sociedade em sua porção integral poderá escrever... Pode revelar-se um momento digno de se pontuar ou um momento nada significativo. O apagão de nossa história precisa ser iluminado...

12 novembro, 2012

OS ROYALTIES E AS PATENTES INCONSTITUCIONALIDADES DA LEI APROVADA NO CONGRESSO

Está por se sacramentar, salvo melhor juízo presidencial, ainda sem controle judicial, que fatalmente se fará impreterível pelos contornos que se apresentam uma escatológica profusão de impropérios inconstitucionais com sérias consequências, alcançando, inclusive, repercussão na clausula pétrea do equilíbrio do pacto federativo.
A democracia mal compreendida ou mal utilizada pode se revelar um permissivo para abusos e violações capazes de comprometer, por paradoxo, bases sólidas de sustentação da própria democracia, consectários principiológicos de nossa República Federativa e atentar contra as mais diversas lógicas de exegeses constitucionais, sejam elas semânticas, históricas, sistemáticas ou teleológicas.
A democracia pautada na vontade da maioria nem sempre respeita o que é justo, o que é de direito. Não avoco argumentos toscos e pueris como o de que toda maioria é burra, mas avoco a necessidade de se respeitar os direitos e argumentos das minorias, precipuamente quando fundamentados na legitimidade de seus direitos, quando o ordenamento lhes confere supedâneo para que as maiorias não restem desrespeitadas apenas pelo fato de representarem faticamente uma maioria. Quando em uma democracia se permite que minorias sejam apagadas, silenciadas por suas vozes e até mesmo aviltadas por maiorias, não se está diante de uma verdadeira democracia, mas diante da primitiva lógica de que vença o mais forte até a morte.
Quando percebemos que determinadas maiorias criadas por interesses políticos possuem o poder de rasgar o texto constitucional, alcançando suas bases principiológicas, neste momento, a democracia se desconfigurou e provavelmente está sendo usada para perpetrar interesses que uma República Federativa constitucionalizada haveria de veementemente repelir, em regra interesses egoísticos contrários à lógica do razoável.
Este artigo de opinião pretende percorrer os tortuosos caminhos dos “royalties do petróleo”, o verdadeiro ouro-negro deste país, que parece estar provocando ambições com força para evadir-se das cognitivas lógicas esperadas. Através da Emenda Ibsen e da posterior Emenda Simon, pretende uma maioria política subverter lógicas jurídicas inafastáveis abstraindo consequências que não se poderiam defenestrar.
Entre janeiro e dezembro de 2009 a União recebeu quase 7 milhões de reais e os estados produtores em torno de 6 bilhões à título de royalties e participações especiais advindos da exploração do petróleo. Só o Rio de Janeiro percebeu aproximadamente 5 bilhões de reais, por ser de longe o maior produtor nacional.
As propostas legislativas já votadas e aprovadas pelas duas Casas do Congresso no aguardo da sanção ou veto presidencial pretendem alterar drasticamente a fórmula de distribuição das participações devidas aos estados-membros e municípios em razão de serem estados servientes a exploração marítima de petróleo. Pretendem as Emendas mencionadas suprimir o pagamento de royalties e participações especiais dos entes produtores e confrontantes atingindo contratos futuros e teratologicamente contratos já firmados e em execução sob a vigência da Lei 9478/97. Proposta legislativa aprovada que engloba os campos que venham a ser descobertos de petróleo como, inacreditavelmente, os já licitados, em uma estimada perda anual de 7 bilhões aos cofres do Rio de Janeiro, receita esperada que se subtraída é capaz de quebrar o estado ou minimamente retirar-lhe a autonomia financeira conquistada.
A CRFB utiliza os termos “participação no resultado” ou “compensação financeira”, já a Lei do Petróleo (L. 9478/97) utiliza-se da expressão “participações governamentais”, que inclui entre outros termos que não interessam a presente exposição, os royalties e a participação especial, objetos a serem trabalhados. Participação especial, vale dizer, que deve ser paga no caso em que o lote licitado apresente um volume de produção de maior rentabilidade, nos termos do art. 47.
É histórico no Brasil, desde os idos de 1953, data que se iniciou a indústria petrolífera no país. A lei 2004/53, que criou a Petrobras e dispôs sobre a Política Nacional de Petróleo já previa a obrigação de distribuir compensações aos estados e municípios que sofrem com o ônus de terem que manter em suas bases territoriais toda uma infraestrutura capaz de suportar a demanda e os prejuízos da exploração.
Com a lei 7438/85, clareou-se a legislação anterior, prevendo que o pagamento de royalties também seria devido em razão da exploração de óleo e gás natural extraídos de plataforma continental. Restava inconteste ainda, que o pagamento de royalties não teria como fato gerador a propriedade da riqueza mineral extraída, que é da União Federal, mas sim o ônus suportado pelos entes que tinham seus limites territoriais explorados. A legislação ordinária mencionada previu que 1% dos valores extraídos seria destinado a um Fundo Especial a ser distribuído entre todos os estados e municípios, porcentagem que em nada se relaciona aos royalties devidos aos estados e municípios produtores.
Em 1988, o direito de compensação financeira dos estados e municípios afetados com a exploração destes minerais ganhou “status” constitucional com a previsão do constituinte originário constante do art. 21, Par. 1º CRFB. Mencionado artigo que foi regulamentado pela L. 7990/89, que novamente reafirmou o dever de compensar financeiramente os estados e municípios produtores, mantendo o Fundo Especial da legislação anterior, apenas reduzindo o valor de 1% para 0,5%. Com a Lei do Petróleo (L. 9478/97), além de novamente contemplados os royalties como forma de compensação aumentou de 5% para 10% o valor desta compensação aos estados produtores. Como se percebe sempre se teve como primária prioridade a compensação aos entes afetados com a exploração e secundariamente a distribuição de um “sobejar” aos demais entes em nada afetados.
Volta a reafirmar, por se tratar de um marco desta temática que, historicamente, desde 1953 ordinariamente, e constitucionalmente a partir da Constituição a partir da Carta de 1988, sempre se tutelou através de pagamentos de royalties os estados e municípios que tinham suas bases territoriais exploradas pelos riscos e ônus próprios deste tipo de atividade exploratória, chegando inclusive, a legislação de 1953, a utilizar-se do termo indenização no lugar de compensação, tamanho o ônus suportado. Este valor compensatório sempre se mostrou independente e de primaria fundamentalidade em relação ao valor distribuído indistintamente aos demais estados-membros, que em momento algum sofrem com os impactos exploratórios, que reste claro e assentado.
O art. 21, par. 1º da CRFB é o paradigma constitucional para toda legislação ordinária atinente ao tema. Legislação ordinária que se afaste de seus contornos deve ser entendida como nula “ex-tunc” e ter declarada sua inconstitucionalidade. Diante deste imbróglio hermenêutico, há que se perceber a real interpretação do dispositivo mãe, o art. 21, par.1º da Lei Maior, para que desta feita sejam traçados os limites onde a legislação derivada ordinária poderá flutuar sem que extrapole os limites maternos.
Para uma perfeita interpretação do artigo constitucional não vamos nos satisfazer com a utilização de apenas um dos métodos interpretativos. A demonstração da inconstitucionalidade da lei aprovada no Congresso será realizada de forma exauriente, a partir de todos os métodos interpretativos que a clássica tradição Romano-Germânica colocou-nos a disposição. Será demonstrado que todos os meios interpretativos levarão a mesma unidade interpretativa, de que o art. 20, par.1º, da CRFB procurou a tutela dos estados e municípios explorados.
Primeiramente, segundo a interpretação gramatical possível ao texto normativo, a que confere os contornos das normas que desta derivarão fala explicitamente em compensação financeira devida em razão da exploração. A lógica que permite extrair é a de que nada haveria a compensar quanto aos entes que não sofrem os ônus da exploração. O vocábulo “compensação” é excludente quanto aos estes não “avariados” e dirige-se indelevelmente por mera semântica aos entes que suportam a criação e manutenção de todo um aparelhamento infraestrutural de demandas, que suporte uma explosão demográfica consequencial e que tenha capacidade técnica e financeira para suportar os passivos ambientais que esta espécie de exploração impeli. Lembro, que toda e qualquer palavra em um texto legal deve ter um sentido de existir, e a palavra “compensação” não deixa qualquer dúvida minimamente aferível em sua ligação umbilical para com os legitimados aos recebimentos dos royalties e participação especiais, como um verdadeiro direito subjetivo destes. Evadir-se deste núcleo fundamental do artigo constitucional é inelutavelmente eivar-se do vício de nulidade. Por isso a Lei Federal deveria detalhar a repartição dos recursos sem distanciar-se do núcleo fundamental do artigo constitucional.
Sob a perspectiva da interpretação histórica, que leva em conta a conjuntura da qual restou produzida a norma, há que se observar ao caso a intenção do legislador constituinte quando dispõe do artigo constitucional sob comento. O artigo a veio chancelar as legislações ordinárias anteriores servindo ao propósito de promover o mandamento infraconstitucional ao “status” mais elevado de nosso ordenamento jurídico, ao “status” de norma constitucional como forma de produzir-lhe maior segurança. Como demonstrado, data de 1953 a compensação aos entes produtores quando se iniciou a regulação do petróleo no Brasil e se criou a Petrobrás, e desta forma caminha até os hodiernos dias em respeito a uma mínima lógica racional, que jamais afastou-se deste balizamento ratificado em 1988 pela CRFB, que chancelou o modelo até então vigente quando poderia alterá-lo se olvidasse a busca de uma outra razão para tutelar, que não a de compensar.
É propriamente na interpretação sistemática que o estrutura criada de pagamento de royalties aos produtores encontra sua principal coordenação. Pois vejam, consabido é que o ICMS. Em regra é pago no estado de origem e representa a maior forma de receita tributária do estado. Pois bem, ao depararmos com a leitura do art. 155, par.2º, X, b da Carta Maior, percebemos que os estados produtores de petróleo não se beneficiam com a tributação de ICMS, que excepcionalmente não é tributado na origem, mas no estado de destino do produto. E qual a “ratio essendi” desta exceção? A de não favorecer os estados produtoras de petróleo, já que estes contam com os royalties e participações especiais nos termos do art. 20, par. 1º como forma de compensação. Esta interpretação já foi inclusive destacada pelo ex-ministro do Supremo Nelson Jobim em um de seus votos quando ainda era ministro da Casa. Não pode o legislador ordinário agora querer subverter a sistemática desta compensação retirando o direito subjetivo aos royalties dos estados produtores, pois assim agindo não apenas contrariará a norma constitucional do art. 20, par.1º, mas desconfigurará o sistema previsto pelo constituinte originário. Em se tratando de uma Lei Federal poder-se-ia cogitar que a União abdicasse de parcela sua em favor dos demais estados-membros, jamais de parcela que não lhe pertence, que pertence aos estados produtores.
Como se não bastassem todo este complexo expositivo a fundamentar a inconstitucionalide do que o Congresso veio a aprovar, resta a análise do critério teleológico de interpretação, onde se busca a finalidade da norma. Por este, e baseando-se em tudo que até o memento já se disse, a finalidade da norma é sem sombra de dúvidas a de compensar os estados e municípios explorados com os royalties e participações especiais devidos aos impactos ambientais e socioeconômicos que se encontra “in re ipsa” nesta atividade. A partilha “pro-rata” e sem distinção jamais foi a finalidade normativa legal ou constitucional do sistema conforme se demonstrou. Não haveria como não compensar os gastos excedentes com segurança pública, transporte, urbanismo, habitação, meio ambiente, enfim, os gastos estruturais necessários para a suportabilidade desta atividade, onerando demasiadamente os estados produtores em proveito de todos, quando só os produtores suportariam o ônus e consequências da exploração.
Passada a fase onde restou sobejamente comprovada a legitimidade dos estados onerados para o recebimento dos royalties como fator compensador dos ônus suportados através de todos os métodos de interpretação disponíveis, passa-se a fundamentar a inconstitucionalidade do que se aprovou no Congresso a partir dos princípios constitucionais regentes de todo nosso ordenamento.
Salta aos olhos a violação ao princípio da isonomia material, que ordena valorar igualmente situações iguais de desigualmente situações desiguais na medida de suas desigualdades. O tratamento linear a situação desiguais acarreta uma discriminação e violadora do princípio. As desigualdades fáticas devem acarretar um tratamento desigual como forma de compor essa desigualdade e desta forma encontrar-se a igualdade material desejada, a partir de um fim constitucionalmente legítimo, respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Poupar-me-ei de repetir todos os argumentos já acostados reveladores manifestos da desigualdade a ser compensada, fazendo lembrar que o sistema preparou-se para o propósito de compensar a partir de qualquer método interpretativo que se busque perpetrar. O tratamento desigual denota-se constitucionalmente legítimo e consentâneo ao princípio da isonomia material para que seja mantido o equilíbrio federativo.
Outra violação que se revela um “inqualificável” jurídico agride sem pena o princípio da segurança jurídica, um dos fundamentos do estado e do direito ao lado do bem estar social. Busca a paz social através da previsibilidade das condutas e estabilidade das relações jurídicas e sociais através do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada em âmbito constitucional. Em âmbito infraconstitucional, no mesmo propósito encontram-se institutos como a prescrição e a decadência, que obedecem a mesma lógica. O texto aprovado prevê o afastamento das receitas decorrentes dos novos contratos e em clara violação ao princípio em comento afasta ainda as receitas dos contratos já firmados e em fase de execução, em absurda frustração das legítimas expectativas do recebimento das receitas que desde a década de 30 recebe. E as obrigações assumidas a partir das receitas que já faziam parte do orçamento dos estados produtores? Com a suspensão dos pagamentos de royalties de inopino construir-se-á estados incapazes de honrar seus contratos tendentes a insolvência. Estados incapazes de cumprirem as normas orçamentárias, a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e o Plano de Restruturação e ajuste Fiscal contido na Lei 9497/97.
Sancionada esta lei pelo Executivo federal o pacto federativo estará seriamente comprometido. A uma porque Lei Federal imporia uma oneração desarrazoada dos entes produtores sem a contrapartida compensatória dos royalties, e o estado produtor ainda manter-se-ia privado do tributo que é sua maior arrecadação, conforme já detalhado, o ICMS, que pela sistemática atual não é recolhido no estado de produtor, de origem, pelo fato de ser este o receptor dos royalties e participações especiais. O desequilíbrio do sistema caso sancionada a lei será manifesto e lastimável. A duas, por outro fator que já se fez ventilar, pelo fato de comprometer seriamente a autonomia financeira do ente federativo alijado dos royalties que organizou-se financeiramente com base nesta substancial receita. Razões de ordem política não podem se sobrepujar as razões de ordem constitucional a ponto de ferir norma, princípios e todo um sistema.
O caso do Rio de Janeiro é ainda de maior gravidade, não só por ser o que mais recebe receitas provenientes dos royalties, não só por ter compromissos maiores que os dos demais estados produtores de infraestrutura como ainda por ter sido escolhido a sede da próxima Copa do Mundo (2014) e das olimpíadas de 2016. Quando foi escolhido como sede contava com os royalties como parte fundamental para manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro para investimentos de grande porte com o apoio de verba federal. Surrupiada esta receita, já não contando com a receita tributária do ICMS o estado do RJ se tornará um contumaz inadimplente sem que responsabilidade alguma lhe possa ser atribuída. Mas não paramos nisto, a União assinou com o estado do Rio de Janeiro um Programa de Restruturação e Ajuste Fiscal de refinanciamento de suas dívidas junto a União no valor de 2 bilhões de reais. Ocorre que a amortização dessa dívida deve ser feita com a cessão de créditos provenientes dos “royalties” e participações especiais que o estado do Rio recebe como receita, sob pena de ter que abdicar de outras receitas advindas de outros impostos em favor da União, que ainda poderá interromper a transferência de outras receitas advindas de transferências constitucionais de renda. Há, portanto um contrato que vincula os royalties do petróleo a dívida com a União Federal, ou seja, a existência de ato jurídico perfeito, uma das formas que a Constituição elegeu para garantia do princípio da segurança jurídica. É lei Federal (União) ferindo ato jurídico perfeito, portanto a segurança jurídica das relações na federação, portanto a cláusula do pacto federativo.
De todo o exposto este artigo procurou demonstrar que razões de ordem política não podem de uma hora para outra subverter todo um sistema que possui a tutela constitucional atingindo seriamente princípios orientadores de toda a Constituição e, por conseguinte de todo ordenamento como são dos princípios da isonomia material, da segurança jurídica, do pacto federativo e do interpretativo princípio da razoabilidade.
Por maioria, os estados em suas representações nas Casas legislativas não podem se unir contra outros poucos no propósito de se auto beneficiarem às custas da destruição da minoria, passando por cima de todos os preceitos de albergue constitucional aqui expostos a ponto de causarem uma verdadeira guerra entre entes da federação, isso não é democracia. O pacto federativo, conforme salientado, é cláusula pétrea e de contornos fundamentais para a manutenção do Estado Democrático de Direito no modelo federativo a que constitucionalmente nos filiamos.

Assim me parece.

01 novembro, 2012

ADOÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL NO STJ E O RESPEITO A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Enfim o STJ entra nesta verdadeira onda renovatória do Direito Processual na esteira da efetividade da prestação jurisdicional, nos estritos termos do art. 5º, LXXVIII da CRFB, que prevê como garantia fundamental do cidadão uma razoável duração do processo.
Em artigo de minha autoria intitulado: “A Razoável Duração do Processo como Princípio ainda a ser Perseguido e sua Aplicação ao Julgamento do Mensalão”, abordei com suficiência as prementes razões pela qual o legislador deveria buscar a maior eficiência da prestação jurisdicional no propósito de que o comando constitucional da razoável duração do processo restasse atendido.
Fiz notar em outras palavras, o mais profundo engano dos que sustentam que a limitação das quase infinitas possibilidades recursais traria prejuízo a outro direito fundamental, propriamente o da ampla defesa. Firmei ainda, que o princípio do amplo acesso à justiça só se faz cognoscível quando se oferta um prestação jurisdicional eficiente, que ainda porte utilidade, e que não se vislumbra eficiência em uma prestação morosa e tardia, a partir de um sistema processual que permite a cumulação de recursos e instâncias capazes apenas de diferenciar a sociedade por seu poder aquisitivo, já que as instâncias superiores são alcançadas, em regra, por jurisdicionados patrocinados por advogados de grandes corporações e possibilidades dentro da máquina judiciária, quando o hipossuficiente é faticamente segregado e dificilmente vai além do juízo monocrático, a partir de uma Defensoria Pública assoberbada, hostil, lenta e ineficiente.
O artigo referido vai muito além e trata ainda da “obrigatoriedade” do duplo grau de jurisdição, se uma garantia constitucional ou infraconstitucional, traçando um paralelo com o Pacto São José da Costa Rica, argumentações expositivas as quais remeto o leitor.
Reinsiro-me contextualmente ao primeiro parágrafo do presente artigo para aderir aos defensores da PEC 209/2012, que busca alterar o art. 105 da CRFB que dispõe da competência do STJ, para condicionar a admissão do Recurso Especial (Resp) à demonstração da relevância das questões de direito federal atinentes ao caso, no mesmo talante da repercussão geral que se pratica desde 2007 no STF como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário (RE).
Milhares de recursos já decididos monocraticamente e posteriormente por órgão colegiado, ainda nas instâncias ordinárias, eternizam-se caminhando ao STJ para nova decisão colegiada (agora em uma instância extraordinária) sem apresentarem qualquer relevante questão de direito federal a ser pronunciada, como se fosse o STJ uma 3ª instância jurisdicional, o que refoge indubitavelmente a função constitucional que lhe restou atribuída, de uniformizador de jurisprudência. Enquanto isso, processos que se revelam relevantes e que a sociedade espera por uma definição ficam a passos de cágado esperando sua vez para serem apreciados.
As nomenclaturas atribuídas aos órgãos, institutos e diversidades devem ter sempre uma mínima razão de ser. Quando se aloca o STF e o STJ como tribunais pertencentes à instância extraordinária, quer-se dizer que ordinariamente as ações não devem lá chegar, que devem sim, encontrar seus trânsitos em julgado nas instâncias ordinárias. Extraordinariamente, na forma das previsões constitucionais, preenchidos os requisitos próprios de admissibilidade recursal, poderá a causa ir além da ordinariedade de instância e buscar a extraordinariedade de uma instância recursal. Por isso, a repercussão geral como critério diferenciador para a admissibilidade das causas as instância extraordinárias nada mais é do que uma proposta que respeita os jurisdicionados dos efeitos protelatórios dos recursos e o próprio sistema jurisdicional de sua ineficácia prestacional.
Conforme tratei no artigo anterior a que me refiro, a lei dos recursos repetitivos denota-se insofismável avanço, já que impede que matérias já ostensivamente debatidas e devidamente pacificadas cheguem às instâncias seguintes protelando-se uma decisão final e impedindo uma razoável celeridade no julgamento deste e de outros processos, que urgem por um pronunciamento uniformizador.
Os processos se iniciam para que tenham um fim que atenda a prestação requerida de forma efetiva. Sua perpetuação impede a efetividade do processo e a justeza da tutela estatal ofertada. Fugir desta lógica é negar a efetividade da prestação jurisdicional, corolário do amplo acesso à justiça, que só tem como cumprida sua tarefa quando do pronunciamento de uma decisão final com trânsito em julgado em um tempo hábil, capaz de atender ou negar o que o Estado avocou para si prestar, uma jurisdição consoante a razoável duração daquele peculiar processo. Enquanto houver possibilidade recurso a prestação jurisdicional não terá como cumprida sua tarefa de pacificação social, escopo maior da prestação jurisdicional não terá sido alcançado.
Para as causas de viés ordinário, uma análise monocrática e uma posterior análise colegiada já é capaz de, em tese, oferecer uma prestação jurisdicional justa, sendo certo que o jurisdicionado ainda contará, preenchidos seus requisitos de admissibilidade, na seara penal, interpor a Revisão Criminal, na seara civil, a Ação rescisória, aferíveis após o transito em julgado em caso de cabimento, para deixar a decisão o mais próxima possível do que o direito entende justo ao caso concreto.
Retirar as excessivas possibilidades recursais para causas ordinárias é colaborar para o melhor funcionamento de todo o sistema, prestando uma justiça com menos privilégios, menos segregadora e mais próxima da equidade.
Portanto, a PEC 209/2012, apesar de contar com o lobby negativo da OAB, grande defensora das grandes corporações, dos grandes escritórios de direito, interessados em protrair seus processos no tempo e no espaço, deve conseguir prosperar devido ao apelo inelutável da “mais valia” da adoção da repercussão geral também no STJ para o melhor funcionamento de todo o sistema e em respeito a uma identidade lógica que carregam os órgãos de jurisdição extraordinária.

26 outubro, 2012

AGU DESCARACTERIZADA? PROJETO POLÍTICO-PARTIDÁRIO DE GOVERNO DENOTA NESTE SENTIDO


Não saberia precisar se mera coincidência ou mal do nome. Imagina-se, que Luís Inácio Adams carregue consigo parte do mesmo código genético de seu quase homônimo mais famoso; pois veremos.
A AGU, instituição que goza de grande respeito e boa credibilidade junto ao mundo jurídico, embora na maior parte das vezes patrocinando o “lado mais negro da força”, o executivo federal, conta atualmente com 7481 membros, entre advogados da União, procuradores federais e da fazenda nacional, pode estar rumando o caminho de sua mais completa descaracterização institucional por obra de Luís Inácio. Qual? Veremos...
Os concursos públicos, forma constitucionalmente exigida para o preenchimento de cargos públicos, é, em última “ratio”, a tábua de sustentação para que a Administração Pública, em seu sentido lato, mantenha-se na trilha da mínima dignidade. São os concursos públicos, que a trancos e barrancos, com todos os seus deslizes consabidos, ainda procuram garantir um mínimo de eficiência, impessoalidade, moralidade, na gestão dos interesses públicos.
Luís Inácio Adams, como Chefe da Advocacia Geral da União, órgão mais elevado de assessoramento jurídico do Poder Executivo, exerce a representação da União perante o Supremo Tribunal Federal, submetido à direta, imediata e pessoal supervisão do Presidente da República que o nomeou, configurando este, até o momento, como único cargo notadamente político da AGU, preenchido não por concurso público, mas por nomeação do presidente.
Luís Inácio Adams foi politicamente nomeado para chefiar a AGU e representar os interesses do presidente e da União junto ao Supremo, por seu quase homônimo, Luís Inácio da Silva, em 2009, quando ainda presidia este país. Quando assumiu a chefia da AGU, esta já sofreu uma sensível e indesejada transformação, quando deixou de ser órgão de representação do Estado para tornar-se mero órgão de assessoria política e jurídica do Palácio do Planalto e base aliada. Dava-se início a partidarização da AGU, tecnicamente chamada de aparelhamento.
O mensalão, no entanto, começa a promover suas alterações na estrutura da Administração e da política do país. Com o escândalo tornado público e com a inevitável prestação de contas à justiça e a sociedade, o esquema de dominação do Partido dos Trabalhadores viu-se enfraquecido, vulnerável. A solução planejada de autoproteção foi a penetração política na mídia, nas mais altas Cortes de Justiça do país, o máximo aparelhamento das instituições de Estado onde a imparcialidade e a impessoalidade pudessem comprometer “justificáveis” resultados. É a máquina não mais trabalhando para o Estado, mas para o governo.
Voltemos a AGU. Adams, visto entre a maior parte dos membros de carreira concursados da instituição como um “pavoroso cabeça de bagre” para os interesses da AGU, reafirma seu comprometimento político-partidário com o PT e propõem um projeto de Lei Complementar com o objetivo de aditivar o processo de aparelhamento do Partido dos Trabalhadores. Em verdade, trata-se de um escárnio à moralidade, a impessoalidade e a eficiência na Administração Pública, princípios de albergue constitucional dirigidos exatamente a Administração Pública.
O projeto, que muito bem poder-se-ia apelidar-se de "Projeto Cara de Pau", traz entre outras, a previsão da possibilidade de nomeação de advogados federais independentemente de concurso público, de pessoas fora da carreira, com o claro objetivo de atender aos objetivos partidários de governo, renegando a um segundo plano os interesses públicos e de Estado, ferindo de morte o princípio constitucional da impessoalidade e a meritocracia, um sucedâneo democrático.
O "Projeto Cara de Pau" não se limita a esse ato excomungável, ele continua em sua peregrinação rumo ao surrealismo propondo a avocação de competências dos advogados concursados para a esfera do Chefe da AGU, este, nomeado politicamente pelo presidente da república, vale lembrar, abatendo de morte o princípio da independência funcional ao tratar como infração funcional quem seguir orientação diversa de seu superior hierárquico, que fatalmente partirá de um procurador-chefe politicamente nomeado segundo os interesses partidários de governo. Pelo projeto, os chefes maiores de cada carreira da AGU terão como forma de preenchimento nomeações políticas, não mais concursos públicos. Inacreditável.
Mais uma intromissão desarrazoadamente despótica, portanto antidemocrática, contrária ao Estado Democrático de Direto, que busca promover o Partido dos Trabalhadores no calar da noite, no horário do “Corujão”. Em real, o desnudado esquema do mensalão, que “tão apenas” poupou seu mitômano e midiático chefe, parece ter acelerado o processo ideológico da esquerda da América Latina de “desdemocratização”, que prometia, no Brasil, por suas bases constitucionalmente solidificadas, ser paulatino e, “na medida do possível”, com aparência constitucional, em doses quase imperceptíveis e homeopáticas de gradual dominação. Teria o mensalão provocado um processo de aceleração pautado no desespero? O "projeto Cara de Pau" foi entregue por Dilma ao Congresso Nacional.
Deixo um lembrete reflexivo: A chefia da AGU é um belo passaporte, vide passado recente, para se tornar um Ministro do STF. Basta trabalhar direitinho segundo o plano maior do Governo federal. Some-se a isso a coincidência de Adams carregar consigo o intrínseco lobby de um nome forte, de grande apelo à cúpula de Governo... Aliás, não é a toa que o nome indicado a Dilma por Lula para substituir Cezar Peluso foi de seu quase homônimo Luís Inácio Adams, havendo Dilma optado por Zavascki, um petista mais bem preparado e com alguma notoriedade, afinal, basta um Tóffoli por vez no STF...