25 junho, 2011

ITÁLIA, BATTISTI E A REPÚBLICA DAS BANANAS...

O caso Battisti foi longamente tratado em post anterior por este espaço, para onde remeto o leitor, e neste momento concluo meu conceptismo pós-decisão do STF somando ainda uma carta aberta às autoridades e ao povo brasileiro...

Apenas para reintroduzir o assunto lembro que Battisti, hoje com 56 anos, foi condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana por ter participado de quatro assassinatos entre 1977 e 1979, quando era integrante do grupo de extrema-esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Em 1981, depois de sua primeira condenação pela Justiça italiana, Battisti escapou da prisão, fugindo primeiramente para a França, depois para o México e, por fim, de volta à França. Em 18 de março de 2007, Battisti foi preso em um quarto de hotel no Rio de Janeiro, em uma operação que contou com a participação da Interpol e das polícias da Itália e da França, em conjunto com a Polícia Federal brasileira. O governo italiano afirma que Battisti cometeu atos de terrorismo, e não delitos políticos, e por isso, de acordo com o Tratado de Extradição firmado com o Brasil, o ex-ativista deveria ser enviado de volta a seu país natal. O pedido de extradição impetrado pela Itália no STF, logo depois da prisão de Battisti no Brasil, argumenta que o ex-ativista foi julgado e condenado pela Justiça italiana de forma democrática e que, portanto, sua extradição seria legítima. O caso Battisti é considerado um dos mais complexos já enfrentados pelo STF, devido às implicações políticas e diplomáticas envolvendo o processo de extradição do italiano. No início de 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a Battisti o status de refugiado político, atitude ideológica e má intencionada que impediria a extradição de Battisti. Em sua justificativa, Genro disse que o ex-ativista tinha “fundado temor de perseguição política por suas opiniões políticas”. O ex-presidente Lula, assim como outros integrantes de seu governo, também expressou abertamente a opinião de que Battisti foi vítima de perseguição política, o que invalidaria seu julgamento na Itália. A decisão do Ministério da Justiça contrariou a posição do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que, dois meses antes, em novembro de 2008, havia negado o pedido de refúgio político a Battisti. No entanto, ao aprovar em 2009 a extradição de Battisti, o plenário do STF classificou as condutas do italiano como comuns, e não políticas, o que revogou o status de refugiado político do ex-ativista. Desta forma, ao receber do ex-presidente Lula a permissão para continuar no Brasil, Battisti passou à condição de imigrante, que, com o alvará de soltura concedido pelo STF, poderá entrar com pedido de visto permanente, que aliás já foi concedido.... Autoridades italianas acusaram o governo brasileiro de agir com motivações ideológicas, tanto no episódio da concessão do refúgio quanto na decisão de Lula em manter Battisti no país, após o julgamento no Supremo. O governo Italiano, por meio de reclamação, argumentou que o Presidente passou por cima da decisão do STF proferida em 2009, que definia pela extradição de Battisti. Defendia ainda, que ao presidente apenas caberia fazer o ato de entrega, obedecendo os termos do tratado de extradição firmado entre os dois países (Brasil/Itália). A reclamação acabou arquivada pautada em dois principais argumentos: O ministro Ricardo Lewandowski não reconheceu a legitimidade da reclamação do governo italiano, afirmando que o STF está diante de um litígio “entre dois Estados soberanos”. Para o ministro Marco Aurélio, o ato de Lula não é passível de ser judicializado. “É um ato político, restrito à atuação do Poder Executivo”. Em suma, não caberia ao governo italiano questionar um ato de soberania do Estado brasileiro... Traduzindo para um português claro, o STF tirou o corpo fora deixando a questão restrita à seara política, quando não só poderia como deveria ser judicializada, com a devida vênia ao Ministro Marco Aurélio, pois está em jogo o respeito a um tratado assinado pelo Brasil, que encontra sim repercussão constitucional, pois extradição é matéria formal e materialmente constitucional. Havia e continua a meu ver existindo uma latente controvérsia no Supremo quanto aos limites da decisão do Presidente, se este estaria ou não vinculada à decisão do Supremo. Decidiu por maioria apertada que não estaria o Presidente vinculado à decisão do STF, por se tratar de uma questão considerada política, a última palavra é do Presidente. Mas como salientei acima, esta discricionariedade não é (seria) absoluta, pois há um tratado de extradição Brasil/Itália que deve(ria) ser respeitado... Nesta base coube ao nosso maquiavélico governo de raízes comunistas encontrar alguma brecha no tratado assinado entre os dois países soberanos que pudesse manter o guerrilheiro assassino longe da justiça de seu país, como perpetrou por diversas vezes internamente como seus companheiros guerrilheiros tupiniquins de outrora... E o que fez o Presidente? Pediu um parecer parcial (encomendado) ao Procurador Geral da República com o fulcro de encontrar a pecha de salvação ideológica no tratado, que mantivesse Battisti impune no paraíso das bananas, dos guerrilheiros comunas e dos ditadores procurados pelo mundo. E encontrou, um artigo para inglês ver, mas que nem inglês, nem brasileiro, nem italiano e nem o resto do mundo viram... Fajuta até para os mais entorpecidos intelectuais, mas suficiente para se oferecer um cacho de bananas aos Italianos e mais um à opinião pública “embananada” de seu país. Há no tratado assinado um único artigo que permite a não extradição se houver ocorrido um julgamento não havido como “justo”... Vale lembrar que estamos falando de uma Itália democrática e não propriamente das adoradas ditaduras de Cuba ou do Irã... O que é justo? Justo é um conceito jurídico indeterminado que permite interpretações coerentes e absurdas, como a emanada pelo governo petista, que salvo notório abuso às regras do bom direito atinentes ao respeito aos direitos humanos não caberia o Brasil “julgar” como injusto um processo que atendeu ao devido processo legal italiano passando por todas as instâncias recursais possíveis. Na realidade discordo peremptoriamente do Supremo quando alegou pactuado a política do governo que agia na proteção da soberania nacional ao arquivar a reclamação, pois quem teve sua soberania severamente aviltada foi a Itália que teve reconhecido como “injusto” um julgado que passou por todas as instâncias de seu país alcançando inclusive pelo Tribunal Europeu... Alegou Tarso Genro aqui do Brasil a existências de irregularidades no julgado ocorrido na Itália, algo indubitavelmente compatível para um país acostumado a arquiva não apenas crimes políticos, mas principalmente crimes da política...

SEGUE A CARTA ABERTA...

Carta aberta às Autoridades e ao Povo Brasileiro:

Os representantes da Comunidade Ítalo-Brasileira, democraticamente eleitos, abaixo-assinados, vem se manifestar sobre o “chamado caso Battisti”.
Após o vergonhoso documento em que Tarso Genro, então Ministro da Justiça, expôs os motivos da concessão do refúgio e da decisão tomada ao apagar das luzes, no último dia do mandado, do então Presidente Lula, tínhamos a esperança de que o Supremo Tribunal Federal concedesse a extradição de Cesare Battisti, para que o mesmo cumprisse pena a que foi condenado pelo assassinato de quatro inocentes pais de família.
Tínhamos esta esperança no STF porque a Itália julgou Battisti dentro de todos os preceitos legais e democráticos e, talvez, nenhum outro Estado do planeta tem um regime tão democrático e vivendo na plenitude de seu Estado de Direito quanto a Itália.
Porque a Itália quer Battisti cumpra a pena a que foi condenado?
1 - Battisti foi condenado na Itália por crime comum, não por crime político. Na sua decisão o então Ministro Tarso Genro teve a audácia, e aí vai a primeira ofensa ao estado italiano, de classificar os crimes de Battisti de “políticos”.
2 - Battisti foi condenado à prisão perpétua, em dois julgamentos, por uma democracia, onde vigiam e vigem todas as garantias individuais próprias a um estado de direito. Tarso Genro considerou que o assassino foi condenado num ambiente de discricionariedade, o que é mentira. Aí está a segunda ofensa ao estado italiano, pois Battisti foi julgado em todas as instâncias, inclusive por Tribunal Europeu.
3 - Battisti teve amplo direito de defesa, mas preferiu não comparecer ao julgamento. Apelou depois e perdeu. Tarso Genro sustenta que ele teve cerceada a sua defesa e que houve irregularidades processuais. E aí reside a terceira ofensa ao estado italiano.
4 - Tarso Genro alega que, caso seja extraditado para a Itália, Battisti corre o risco de ser perseguido, como se aquele não fosse um estado democrático. E aí está a quarta ofensa ao estado italiano.
5 - Battisti teria de ser extraditado porque há um tratado entre Brasil e Itália. A extradição só poderia ser evitada justamente no caso de haver perseguição. Tarso Genro se apegou a isso, o que é uma mentira, para manter um assassino no Brasil.
6 – O ministro Tarso Genro, indo muito além de sua competência, comportando-se como corte revisora da Justiça italiana e aponta falhas processuais que, a esta altura, já se sabe, não existiram.
7 – Os dois Países têm um Tratado de Extradição ratificado pelos seus Parlamentos, e, portanto, em perfeita vigência. O Presidente Lula, no entanto, decidiu contra e ignorou o tratado.
A decisão do STF, esperança de justiça, também decidiu contra e ignorou o Tratado, pois comarroubos de “independentismo” e dedo em riste para a Itália, país que Ministro Joaquim Barbosa teve o desplante de chamar de “potência estrangeira”. Aos brados, com retórica que trazia momentos de “raiva”, o Ministro Luiz Fux martelava o indicador sustentando ser papel daquele tribunal afirmar a soberania nacional.
Mas por que a soberania estaria ameaçada? Porque o estado italiano ousou lembrar que existe um tratado de extradição? Transcrevemos aqui os dois primeiros artigos deste tratado:
Artigo I
Cada uma das partes obriga-se a entregar à outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciais da parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal.
Artigo II
Casos que autorizam a Extradição
1. Será concedida a extradição por fatos que, segundo a lei de ambas as partes, constituírem crimes puníveis com uma pena privativa de liberdade pessoal cuja duração máxima prevista for superior a um ano, ou mais grave.
2. Ademais, se a extradição for solicitada para execução de uma pena, será necessário que o período da pena ainda por cumprir seja superior a nove meses.
3. Quando o pedido de extradição referir-se a mais de um crime e algum ou alguns deles não atenderem às condições previstas no primeiro parágrafo, a extradição, se concedida por um crime que preencha tais condições, poderá ser estendida também para os demais. Ademais, quando a extradição for solicitada para a execução de penas privativas de liberdade pessoal e aplicada por crimes diversos, será concedida se o total de penas ainda por cumprir for superior a 9 meses.
4. Em matéria de taxas, impostos, alfândega e câmbio, a extradição não poderá ser negada pelo fato da lei da parte requerida não prever o mesmo tipo de tributo ou obrigação, ou não contemplar a mesma disciplina em matéria fiscal, alfandegária ou cambial que a lei da parte requerente.
Atenção! O tratado prevê, sim, as condições para a recusa da extradição. Segue na íntegra do Artigo 3º:
1. A Extradição não será concedida:
a) se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo submetida a processo penal, ou já tiver sido julgada pelas autoridades judiciárias da parte requerida;
b) se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das partes houver ocorrido prescrição do crime ou da pena;
c) se o fato pelo qual é pedida tiver sido objeto de anistia na parte requerida, e estiver sob a jurisdição penal desta;
d) se a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a julgamento por um tribunal de exceção na parte requerente;
e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político;
f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados;
g) se o fato pelo qual é pedida constituir, segundo a lei da parte requerida, crime exclusivamente militar. Para fins deste tratado, consideram-se exclusivamente militares os crimes previstos e puníveis pela lei militar, que não constituam crimes de direito comum.
Por incrível que pareça, a Advocacia Geral da União, argüiu a “letra f” deste Artigo 3º, para justificar a decisão a que já tinha recorrido Tarso Genro. Lula teria decidido recusar a extradição porque, se voltasse à Itália, Battisti poderia ser “submetido a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados”. Nada mais ofensivo e falso. A Itália jamais faria ou fará qualquer perseguição por opinião política, condição social ou pessoal.
Como representantes da Comunidade ítalo-brasileira não podemos compactuar com essas decisões e, sem nenhuma conotação político partidária, não podemos deixar de apoiar o Estado italiano, que deve buscar todos os recursos legais e democráticos para que, sem ferir a soberania brasileira, tenha respeitada a sua soberania, sua justiça e sua democracia.
Não vemos motivos para festejar, nem mesmo no âmbito da Manifestação “Momento Italia-Brasile” , mas deixamos a decisão final para as Autoridades Italianas cuja decisão respeitaremos seja ela qual for.

Brasil, 15 Junho de 2011.

Para terminar deixo meu mais profundo lamento pelo fato de o Brasil ser uma potência de dimensões continentais e se portar como a República das Bananas...

08 junho, 2011

CASAMENTO E ADOÇÃO NO MUNDO DAS DIVERSIDADES, POR QUE NÃO?

Recebi algumas centenas de sensíveis demonstrações de apreço e algumas dezenas de manifestações de repúdio ao texto que tratei da à época ainda possibilidade de reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo. Agradeço a ambos...

O Supremo, conforme previ, desferiu um duro golpe ao sentido mais conservador da sociedade capitaneado pelo arcaiquismo milenar de uma igreja católica preceitualmente omissa quanto às necessidades sociais do pós período medieval, mesmo conhecedora de suas próprias mazelas.

O Supremo fez valer os valores e postulados universais de um mundo pós-moderno de velocidade instantânea de informações e despido de barreiras, sobremaneira nos campos dos costumes e culturais para caminhar sem negligenciar com a faticidade presente aos olhos de todos, ainda que ignorado aos olhos daqueles que veem, mas se negam a enxergar. Foi uma inelutável vitória dos valores liberdade (autonomia da vontade), igualdade, democracia material e dignidade da pessoa humana. O efeito da decisão do STF é imediato e, a partir da decisão, nenhum direito que é concedido ao casal heterossexual pode ser negado ao casal do mesmo sexo, ao menos assim deverá ser...

Vale esclarecer, que juridicamente o pleito enfrentado pela Corte Maior de um Estado que prima pela laicidade constitucional e tendo por base nosso ordenamento em uma percepção constitucional não poderia encontrar outra forma de fazer justiça.

Imprimiu o STF uma interpretação conforme a Constituição ao art. 1723 do CC, promovendo uma leitura de forma a adequá-lo ao primado constitucional do art. 3º, IV da Constituição. O art. 1723 do CC não reconhecia a união de pessoas do mesmo sexo, o que se mostrava em descompasso com a vedação do art. 3º, IV da CF, que veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça ou cor... sendo certo que o sexo das pessoas, salvo disposição em contrário, não permite desigualação jurídica, salvo se para tutelar uma desigualdade fática.

Importante notar, que as conquistas sociais que o Supremo reconheceu aos homossexuais são definitivas e não poderão ser mitigada (diminuídas) para o futuro, dado o nosso sistema apontar para a vedação ao retrocesso.

Deixa-se consignado, que o Supremo em momento algum legislou, conforme se bradou em vozes desesperadas e despreparadas, apenas promoveu uma releitura, uma interpretação constitucional do texto infraconstiticional. Tarefa, vale dizer, que só caberia mesmo ao Supremo, que tem por missão precípua defender a supremacia constitucional, e no caso por ora analisado, se tutelou os princípios da liberdade, da igualdade e a dignidade da pessoa humana primados maiores de nossa Carta Magna. Outra missão que cabe ao STF é a de conferir proteção às minorias. Pela democracia formal das maiorias, o executivo e o legislativo possuem membros eleitos que tem por missão defender, ainda que faticamente seja uma missão utópica e para inglês ver como exaustivamente demonstram, já que defendem não propriamente os interesses públicos das maiorias sociais, mas os estanques e amesquinhados privatistas próprios e de seus grupos. Para as minorias, por uma democracia material e verdadeira, resta ao Supremo promover o maior equilíbrio destas forças políticas de poder. A depender do Congresso para edição de leis protetora das minorias sociais em “detrimento” do pensamento ou do interesse das maiorias, estas normas ficariam sempre “agosto de Deus” ou das legislaturas seguintes ad-etenum...

Some-se a isso, o peso da igreja, em especial da católica em suas pregações medievais. Uma instituição que prega pelos bons costumes, mas pratica a corrupção desde o seu nascedouro e a pedófila às escondidas, em um país composto por uma maioria que ainda não sabe ler e escrever muito além de seu próprio nome, que não possui capacidade para destinguir e autodeterminar-se, acaba por enxergar a igreja como a única “tauba” de salvação, sem perceber o quão apodrecida é o seu fim. Uma instituição que inventou um livro escrito pelos chamados escribas (oportunistas contadores de histórias da época que fizeram as “traduções orais”) que alegaram haverem servido de instrumento para trazer as palavras de Deus... Nasceu o que se convencionou chamar de “Bíblia”, o maior “best seller” capitalista e de dominação do homem pelo homem de todos os tempos...

Grande ponto agora é o passo seguinte... A própria Constituição diz que deve a lei facilitar a conversão da união estável em casamento. E o Código Civil diz que os casais, em uma união estável, podem pedir, através da Justiça, a conversão da união em casamento (art. 1726). Então, se a união estável agora independe da orientação sexual, e se a lei faculta as pessoas que vivem em união estável a pedir a conversão em casamento, não vejo qualquer obstáculo legal para que haja esses pedidos de conversão (da união estável homossexual em casamento). Claro que vai haver resistência, e vale lembrar, que por obvio, não falo do casamento religioso, mas do civil...

O Artigo 1.514 do Código Civil diz: "O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam perante ao juiz sua vontade de estabelecer o vínculo conjugal e o juiz os declara casados". Hoje se entende que o casamento possui natureza jurídica de contrato, o que facilita ainda mais a idéia da conversão. Esperar que o Congresso legisle permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo é utopia, embora haja uma PEC nesse sentido proposta pela bancada GLBT. Caberá novamente ao STF na tutela dos direitos das minorias pronunciar-se como fez em relação à união estável, que por coerência não deverá obstar o reconhecimento também desse direito, já que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar interpretando o Código Civil à luz dos princípios constitucionais já expostos, aplicando inclusive a norma do art. 3º, IV da CF, que veda distinções em razão do sexo, como fundamentação.

No fim da década de 90 e no começo dos anos 2000, tentativas de legalizar ou banir o casamento entre pessoas do mesmo sexo foram motivo de debate em vários países. Em 2001, os Paises Baixos foi o primeiro país da era moderna a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Atualmente, esse tipo de casamento também é legal na Bélgica, Canadá, África do Sul, Espanha, Suécia, Noruega, Islândia, Portugal, Argentina, Cidade do México, na cidade Camberra e nos estados de Massachusetts e Connecticut dois dos 50 Estados dos EUA. Nos EUA também foi legalmente reconhecido no Iowa durante menos de 24 horas entre 30 e 31 de Agosto de 2007 e na Califórnia até às eleições de Novembro de 2008. A Corte Suprema de Israel decidiu que os casamentos homossexuais realizados em outros países deveriam ser reconhecidos no país, apesar de ser ilegal realizá-los em Israel.

No que toca a adoção a decisão do STF injetou-se boa dose de adrenalina em seu sentido facilitador. Muitos casais homoafetivos adotavam de forma sui generis com o fito de contornar os entraves que se promoviam, na maior parte das vezes pela negativa ou postergavam com recursos do MP até as instâncias superiores por uma decisão definitiva, o que gerava grave insegurança jurídica nessas relações. Um membro do casal procurava a adoção ocultando seu parceiro do mesmo sexo, pois acabava com o esquizofrênico argumento da criação em um ambiente impróprio (promíscuo) podendo influenciar negativamente a formação da criança. Alegavam contra a pretensão pela adoção homoafetiva, que esta deveria se dar por um casal formado por um homem e uma mulher. Isso causava um claro inconveniente para criança, pois esta seria criada, por exemplo, por duas mães, mas só uma seria juridicamente reconhecida como tal, sendo certo, que com a morte da mãe adotante a outra não teria o poder familiar para dar continuidade à criação, e com a morte da mãe de fato não reconhecida como tal, a criança nada herdaria, prejuízos inapeláveis e a partir da decisão do STF inaceitáveis. A partir do momento que o Supremo passou a interpretar e entender nossa realidade fenomênica reconhecendo como família a união entre pessoas do mesmo sexo, esse argumento perdeu seu objeto. O art. 12.010/99 prevê a garantia da convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, e este direito não pode ser sonegado aos casais homossexuais a partir da decisão do Supremo.


Fato é, que a adoção se dá no interesse do adotando, em apresentando reais vantagens ao menor e motivo legítimo, conforme previsão do ECA. Esta é uma questão fática à ser apurada no caso concreto, mas vale salientar, com o fim de esclarecer, a ocorrência de diversos estudos especializados sobre o tema, fundados em bases científicas, realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência e na Academia Americana de Psiquiatria, restando unânimes no entendimento da não existência de qualquer inconveniente que as crianças sejam adotadas por casais homossexuais, relevando sim, fundamental, a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o vínculo familiar em que serão inseridas.

Enfim, temos que dar um basta nas hipocrisias que marginalizam minorias quando seus direitos não trouxerem reais prejuízos às maiorias. As diversidades reconhecidas, institucionalizadas trarão incontestemente um crescimento humano-social e do Brasil como nação. Hodiernamente não há mais espaço para descriminações odiosas, e a inserção legal das minorias no contexto global das finalidades tuteladas pelo Estado passa a ser uma condição de desenvolvimento sócio-econômico diferenciador das grandes nações contemporâneas, pois se inicia uma grande nação quando se reconhece a plena cidadania aos que são seus.

Por último um curiosidade que percebi. Encontrei um substancial núcleo de rejeição no que toca a homoafetividade, pude constatar, em outros segmentos de minorias que também sofrem com a descriminação, com o preconceito. Meu texto acabou divulgado em páginas sociais da internet e a quantidade de negros que se opuseram as idéias trazidas e aprovadas no Supremo foi impressionante. Percebi ainda uma quantidade ainda mais substancial de pessoas que claramente não foram dadas a essencial oportunidade da educação, tarefa do Estado imperdoavelmente negligenciada. Diferentemente, pessoas com um nível cultural mais trabalhado apoiaram o início de reconhecimento da “cidadania das diversidades” com muito mais naturalidade e altruísmo, pois grande parte heterossexual e bem resolvidos com suas heterossexualidades.

Disso se extrai que o grande problema deste país é realmente a educação, sem educação nossas escolhas quase sempre serão equívocas e nosso país jamais alcançará o status de uma nação desenvolvida. Sem educação ficaremos sempre à mercê do poder sem força para ser um país democrático em sua essência, pois o povo não tem o necessário conhecimento do que é democracia e dos instrumentos de luta que possui....